“Genocídio”, corrupção e retórica

16/04/2018 16:03 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

O que os políticos fazem quando desviam dinheiro dos cofres públicos é um crime hediondo. E não faz sentido subestimar os efeitos que isso provoca na vida das populações. Não importa que os criminosos dispensem a violência física para perpetrar golpes e fraudes. Eles não matam com armas de fogo, por exemplo, mas a corrupção extermina pessoas, sim. É um genocídio nos setores mais vulneráveis da sociedade. Implacavelmente, temos de combater a roubalheira.

 

O pensamento resumido no parágrafo acima não é meu. Foi exposto na entrevista do Ministério Público Estadual, dias atrás, quando os promotores deram detalhes sobre o desmantelamento de uma quadrilha no sertão de Alagoas. No que diz respeito ao combate à corrupção, ninguém discordará do quanto isso é essencial para o funcionamento saudável da máquina pública. Quando o terreno convida à impunidade, o ataque ao Erário avança feito uma praga sem remédio.

 

Mas não gostei da comparação que remete a ações deliberadas de destruição em massa, como fez um dos representantes do MP alagoano, na coletiva citada. “Genocídio”?! Menos, doutor. A coisa fica um tanto pior quando o autor da bobagem parece empenhado em convencer a plateia mais pelo exagero retórico do que pelos fatos em si. O resultado não é bom, porque o efeito obtido pode ser o contrário do que se espera. Geralmente, o barulho disfarça a fragilidade da ideia.

 

Esse tipo de raciocínio que se viu nas palavras da autoridade alagoana é de uma banalidade infinita. É o mesmo pensamento rasinho que se encontra em formulações como esta: A violência no Rio de Janeiro é um câncer que precisa ser exterminado. Outro exemplo: “A corrupção é uma chaga no corpo doente da sociedade. É preciso extirpar o mal pela raiz”. Recorrer a tipos de doenças graves como metáfora de acontecimentos concretos é um discurso amplamente estudado. Tem história.  

 

Um dos problemas com esse mecanismo argumentativo, quando menos, é ofender pessoas que enfrentam um caso grave de enfermidade. Esse equívoco já é o suficiente para que tenhamos todo o cuidado ao apelar para tais tolices. Sem falar nas tintas falaciosas que costumam colorir palavras de indignação ensaiada. Foi o que se viu, em alguns momentos, na entrevista dos integrantes do MPE. Holofotes e microfones seduzem até as pedras. Não é o melhor caminho para o trabalho sério.

 

Para encerrar, resta evidente que o surto justiceiro em certas mentes do Ministério Público Federal faz escola no Brasil todo. É um legado medonho cujas consequências terão vida longa. Caso o promotor acredite mesmo que há prática de genocídio em Alagoas, deve oferecer denúncia não por corrupção, mas por crime contra a humanidade. Isso é tão errado, que o efeito mais leve é justamente deixar o crime real impune. A valentia envernizada resolve tudo em filmes de ficção.

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