O domingo que passou foi de decisão nos campeonatos de futebol pelo Brasil afora. Aqui em Alagoas, a glória de levar o título ficou com o CSA, após vencer o CRB por 2 a 0. Mas não estou aqui para debater a técnica dos jogadores nem a tática dos professores à beira do gramado. Meu interesse radical são as palavras e as ideias que agitam as cabeças e movem os corações. Por aí.
Ao fim de cada partida, vêm as entrevistas coletivas de atletas, treinadores e cartolas. Precisa ter estômago e paciência infinita para suportar alguns minutos de um palavreado que, espremido, não sobra nada. É um festival de redundância, mau-caratismo, pieguice e boçalidade – e tudo o mais nessa linha que você possa imaginar. Mas o melhor, digo, o pior de tudo está nos “desabafos”.
Vou me deter no discurso dos campeões. Neste fim de semana, salvo engano, 17 regionais chegaram ao fim. Em todos eles, tenho certeza, os vencedores tiveram, na entrevista, seu momento de “calar os críticos”. O que é isso? É a hora em que a ideia mais repetida tem como objetivo único dar àquele êxito as cores de uma odisseia de superação. E não importa que isso seja nada além de um delírio.
Ninguém acreditava em nosso time. Fomos criticados o tempo todo. Disseram que nosso time ia fracassar. Tiraram onda do nosso futebol. Teve um pessoal fazendo piada. A imprensa falou que o time deles era o favorito. Foi sofrido. Lutamos contra tudo. Vocês não sabem o que tivemos de superar. A família sofreu junto. Mas a gente sempre acreditou. E taí o resultado. É nós! Chupa!
Quais são os autores dessas reflexões que acabo de reproduzir? Aí é que está. A resposta é: todo mundo e ninguém. São frases que, de tão repetidas, ganharam vida própria. “Vida” é força de expressão; são ideias-zumbis; estão soltas no ar, sopradas ao vento, prontas a invadir nossa mente, sedenta por teses que afaguem e reafirmem nossa tola convicção de que somos únicos.
Somos escravos da vaidade. Não basta a vitória incontestável, reconhecida por unanimidade. Todo aplauso ainda será insuficiente para homenagear proezas que somente um ser especial é capaz de realizar. Precisamos elevar a conquista ao patamar dos feitos mitológicos. Precisamos ornamentar o enredo com os lances típicos do herói. Frases feitas para traduzir a ilusão de uma saga inexistente.
O exemplo do futebol vale para tudo. O mesmo tipo de discurso está na boca do ator premiado, do cantor consagrado pelas multidões, do magnata no topo dos milionários, do estudante aprovado em primeiro lugar no vestibular, do medalhista olímpico e até do político que vence a eleição. Todos, sem exceção, tiveram de atravessar barreiras infernais para chegar lá.
Para encerrar minhas divagações de pensador de botequim, lembro do filme 1,99 – Um Supermercado que Vende Palavras, obra-prima do diretor Marcelo Masagão, lançado em 2003. Espécie de ensaio sobre a futilidade, o ilusório e a morte dos valores, o filme – para além da ficção e do documentário – aponta para o triunfo do autoengano. E ainda pagamos por isso.
Somos assim, tão originais e exclusivos como a banalidade de cada um e de todos. Quanto a mim, sem querer me gabar, devo acrescentar o seguinte: como sou o cão chupando manga, agora vou até ali, exaltar minhas incomparáveis façanhas e calar os críticos.