Caiu a noite – e Lula não se entregou à Polícia Federal. Ele dispensou a “gentileza” do representante maior da República das Togas, o paladino juiz Sergio Moro. O magistrado que virou santo para muita gente parece ter tentado uma pegadinha, mas não contava com a estratégia emergencial do velho sapo barbudo. O que parecia inevitável ao longo da sexta-feira, agora está praticamente descartado. Há certa perplexidade na cobertura da imprensa.
Vejo analistas de tudo que é lado com as opiniões mais diversas possíveis. Alguns veem na postura de Lula um gesto de afronta à decisão judicial. Outros dizem que não. Afinal, ele não era obrigado a se apresentar voluntariamente em Curitiba. Como diz Moro em seu despacho, isso era uma “opção”. E o ex-presidente abriu mão dessa alternativa. A decisão de Lula não o transforma em foragido, porque ele se encontra em local sabido por todos. A polícia que vá buscá-lo. O quadro é este.
Embora ainda se fale em alguma reviravolta de última hora quanto ao cumprimento efetivo da ordem de prisão, prevalece agora algum consenso de que, se não hoje, o velho Lula entrará na cadeia curitibana ao longo do sábado. Nunca uma determinação para prender alguém provocou um cenário como o que temos até esta noite. Enquanto isso, Lula aparece na janela, acena para a multidão e, em seguida, desaparece dentro do prédio. A plateia não para de aumentar por lá.
Como se sabe, Lula está na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, em São Paulo. É o palco histórico das greves que balançaram a ditadura militar no fim da década de 1970. Por causa de sua militância como presidente da entidade naqueles tempos, o então líder dos operários foi preso em 1980 pelo regime totalitário que jogou o país nas trevas por mais de duas décadas. É evidente que os dias são outros. Mas a simbologia não pode ser esquecida.
Certamente com isso na cabeça, o homem que transformou o Brasil em oito anos, nos dois mandatos presidenciais, sabe que patrocina mais uma jogada no campo da política. É legítimo. Para quem já solta berros de histeria quanto a uma afronta à Justiça, vale lembrar: todo o processo conduzido por Moro é uma antologia de abusos e arbitrariedades contra o ex-presidente. E ao violar preceitos básicos processuais em um caso, o magistrado agride na verdade a todos.
Lula, penso eu diante do que está ocorrendo agora enquanto escrevo, age com legitimidade e sem afronta às instituições. Ninguém pode ser coagido a abrir mão de estratégias em defesa de sua liberdade – bem maior e insofismável de todo homem. Será preso. Mas, como disse o advogado Roberto Batochio, seu cliente não vai ao matadouro de cabeça baixa. O que temos: a história do Brasil vai escrevendo diante de nós um capítulo cujo ineditismo chama atenção mundo afora.