Em seu voto no julgamento do pedido de habeas corpus para o ex-presidente Lula, o ministro Gilmar Mendes criticou a cobertura da imprensa. Ele citou especificamente a Folha de S. Paulo, o jornal O Globo e a Rede Globo. Mendes fez menção à cobertura do Jornal Nacional, na edição de terça-feira, véspera do julgamento. Disse que houve tentativa de constrangê-lo. E houve sim.
Durante as várias reportagens, o JN mostrou que estava porcamente forçando a mão, numa abordagem para emparedar não apenas o ministro, mas todo o tribunal. Como jornalista – mas não exclusivamente por isso –, defendo a liberdade plena no trabalho da imprensa. Sua atuação livre é um dos pilares da democracia, e nada pode ameaçar tal condição. Sem qualquer ressalva.
Defender a liberdade da imprensa, no entanto, não significa concordar com tudo o que se publica, muito menos ignorar as digitais da manipulação de um noticiário que parece esconder obscuros interesses, em detrimento do direito da sociedade à informação qualificada. A edição do JN um dia antes da análise do caso no Supremo, aliás, não foi surpresa nenhuma. Foi apenas previsível.
Curioso ver a reação instantânea da Associação Brasileira de Imprensa. O julgamento ainda estava longe de acabar, e a prestimosa ABI sapecou uma nota de repúdio ao ministro. Em termos agressivos, diz que Gilmar Mendes fez “acusação infamante” aos veículos citados. Nada disso. Ele exerceu o direito de crítica e apontou com clareza evidências de abordagem tendenciosa em reportagens.
Mais bizarro foi o que se viu na Globo durante o Jornal Nacional desta quarta-feira, quando Willian Bonner expôs a posição da emissora diante das duras palavras do ministro. Disse o boneco falante: “O ministro Gilmar Mendes afirmou que a Globo fez chantagem. Não foi isso. O que o Jornal Nacional praticou foi jornalismo”. Quanto vale essa garantia do editor-chefe da família Marinho?
O jornalismo deve incomodar os donos do poder. É uma das razões incontornáveis de sua existência. O contrário desse princípio é a bajulação de poderosos e a autocensura diante de fatos que atentam contra os interesses coletivos. Ora, o padrão da Globo sempre foi exatamente esse que acabo de mencionar. Seu jornalismo enviesado sempre agiu na contramão da verdade.
Em agosto de 2013, a direção das Organizações Globo publicou um longo texto com um pedido de desculpas ao país. Foi o reconhecimento de um erro histórico – o apoio incondicional ao golpe militar de 1964. A Globo diz que essa acusação era vista internamente como algo “irrefutável”. Realmente, basta ver as manchetes do jornal O Globo do período para constatar a postura hedionda.
Enquanto viveu, Roberto Marinho, o patriarca da máquina de fabricar mentiras, nomeou todos os ministros da Comunicação do governo brasileiro. Foi o que ocorreu até o governo José Sarney. É claro que isso traduz um método que não se elimina com um discurso recheado de hipocrisia. Bonner honra as tradições da casa. Nada mudou, a não ser a sofisticação tecnológica. A atuação da Globo hoje em dia prova que o pedido de desculpas é apenas mais uma de suas incontáveis falsidades.