Quando o jornalismo é apenas trololó

03/04/2018 03:29 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

No momento em que comecei a escrever o texto que você lê agora, todos os grandes veículos de imprensa na Internet traziam como destaque, com algumas variações, a mesma notícia: a presidente do Supremo Tribunal Federal, Carmen Lúcia, diz que “o país vive tempos de intolerância” e que “é preciso ter serenidade”. Na maioria dos sites, o palavreado da ministra ganhou a manchete.

 

Outras notícias, igualmente reproduzidas por quase todos os meios, tratam de afirmações feitas por autoridades ou personagens de peso na vida pública. Luís Roberto Barroso, também do STF, diz que a Justiça não pode tomar decisões “de acordo com paixões da sociedade”. Já o ex-presidente Lula, mandou o seguinte recado, em tom sentimental: “Não vão prender meus sonhos”.

 

No último sábado (31/03), a manchete da Folha de S.Paulo (versão impressa) foi esta: “Temer reage e diz que querem tirá-lo da vida pública”. Na Carta Capital, o editor achou que era uma informação relevante mais uma papagaiada retórica de Ciro Gomes, e tascou a declaração para o leitor: “Há uma escalada protofascista no Brasil”. Na IstoÉ, Trump critica o México e “Via Crucis migratória”.

 

Esse amontoado de frases, com as devidas aspas, tem um ponto mortal em comum. Tudo isso é a tradução irretocável de uma ideia tragicamente equivocada de jornalismo. Em quase cem por cento desses casos de pretensas reportagens, o que temos é a antinotícia – que começa na primeira sílaba e se esgota quando as aspas se fecham. É o que se chama de jornalismo declaratório.

 

No trabalho da imprensa, uma declaração, seja de quem for, deve ser tomada pelo jornalista como ponto de partida, nunca de chegada. E isso quando o eventual personagem expõe alguma ideia ou intenção realmente grave – o que não ocorre na maioria das vezes. Mas o que se vê de maneira generalizada é a supervalorização de qualquer frase idiota. Se for uma “polêmica”, aí danou-se.

 

É aquilo que alguém já batizou de escandalização do nada. Se a gente pensar só um pouquinho, as manchetes que reproduzi nos parágrafos anteriores não trazem notícia nenhuma. Não vai acontecer nada como consequência do que disseram os autores dessas tolices. O falatório desenfreado, reproduzido acriticamente por todos os quadrantes, é tão novidade quanto o silêncio absoluto.

 

Não, isso não é um sinal de que o jornalismo de hoje inventou a notícia que notícia nunca será. A tara por declarações chamativas, que geram manchetes, sempre existiu na imprensa. Pode-se avaliar, sim, que os tempos recentes de fato agravaram, e muito, a situação. A febre do trololó mostra o jornalismo, até nos gigantes do setor, em fase de indigência. É um desserviço à sociedade.

 

Como em outros erros da imprensa, as causas do império do jornalismo declaratório são duas. Uma é financeira, a falta de investimento dos veículos na reportagem digna desse nome. A outra, tão séria quanto a primeira, é o próprio jornalista. Achamos mais fácil matar a pauta com dois telefonemas (ou troca de mensagens) do que sair à rua em busca dos dados, abertos ao imprevisível.

 

Nessa combinação melancólica, desprezamos a vida real que pulsa lá fora, e ficamos sentadinhos, no ar condicionado, em ambientes que mais parecem cubículos, e fingimos que praticamos o melhor do jornalismo investigativo. O resultado é esse vendaval de inutilidades empacotadas em solene verborragia. Enquanto isso, o bicho pega, a casa cai e os dramas explodem. Bem longe das redações.

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