Nunca houve um ministro do STF como Alexandre de Moraes. Na terça-feira 2 de setembro, quando começar a leitura dos fatos, no primeiro dia de julgamento de Jair Bolsonaro, Moraes dará sequência a uma jornada cujo ineditismo é apenas um aspecto no conjunto da obra. Tudo começou, pode-se dizer, em 14 de março de 2019, quando o Supremo abriu o chamado inquérito das milícias digitais, e lá se foram seis anos.

Bolsonaro mal havia esquentado a cadeira no Planalto, mas no breve espaço de dois meses de mandato já aprontara o suficiente para chamar atenção da Justiça. O inquérito foi aberto de ofício pelo então presidente do tribunal, Dias Toffoli, que nomeou Moraes como relator. A partir daí, vieram julgamentos, condenações e prisões.

O bolsonarismo e a extrema direita em geral declararam guerra ao inquérito que até hoje corre sob sigilo. O objetivo principal era “apurar ataques e ameaças ao STF, aos ministros e suas famílias”, informou a assessoria da corte. Ao longo do mandato, Bolsonaro nunca parou de atacar Moraes e o Supremo. Era um projeto de poder em andamento.

Chamado de canalha mais de uma vez pelo presidente da República, Xandão não apenas resistiu, como se mostrou bom de briga. Ao que parece, Jair e sua turma não contavam com um juiz dessa envergadura. Hostilizado até em aeroporto por fanáticos apoiadores de Jair Messias, o homem seguiu adiante e nunca cedeu a pressões e histeria.

Alexandre de Moraes tem origem profissional no Ministério Público de São Paulo. Ele entrou na instituição após passar no concurso em primeiro lugar e foi promotor entre 1991 e 2002. Deixou o MP após convite para ser secretário de Justiça e Defesa da Cidadania, no então governo paulista de Geraldo Alckmin. Foi do CNJ entre 2005 e 2007.

Após o mandato no CNJ, Moraes virou secretário municipal de Transportes na gestão do prefeito Gilberto Kassab. Em 2014, volta a trabalhar com Alckmin, agora como secretário de Segurança Pública de São Paulo. Dois anos depois, pela caneta do ilegítimo Michel Temer, Moraes vira ministro da Justiça. Em 2017, é nomeado para integrar o STF.

As sucessivas presepadas de Bolsonaro foram criando as condições para o que temos hoje. No cargo de presidente e após o mandato, o “mito” não parou de aprontar contra as instituições e os valores democráticos. Não é do nada que ficou inelegível após ser condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral. Aí chegamos a 18 de fevereiro de 2024.

Naquele dia, veio a Operação Tempus Veritatis, que mirou Bolsonaro e aliados suspeitos de tramar um golpe de Estado. O ex-presidente foi proibido de deixar o Brasil. Foi essa investigação que levou generais à prisão e arrastou meio mundo de golpistas ao banco dos réus. Ninguém imaginaria, mas a hora da verdade chegou para os envolvidos.

A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos foi comemorada pelos bolsonaristas como a chance de anular os processos contra Bolsonaro. A ilusão embalou o ex-presidente e seus seguidores. Trump de fato correspondeu às expectativas da trupe criminosa. Decretou tarifaço nas exportações brasileiras e impôs sanções a Moraes.

E isso também ninguém jamais poderia imaginar – um juiz do Brasil no alvo da maior potência mundial. Sem dúvida, um presentaço para a extrema direita. Mas nem assim Moraes recuou, como se nota por suas decisões mais recentes: tornozeleira na canela do golpista e prisão domiciliar. A ofensiva de Trump falha miseravelmente.

Juiz não é herói. Abomino mistificações para celebrar autoridades de qualquer área. O personalismo na vida pública nunca leva a boas coisas. Magistrados com superpoderes acabam como Sergio Moro e Marcelo Bretas, esses dois arrivistas que desonraram o Judiciário. O carrasco do Jair não seguiu o modelo de seus colegas desqualificados.

Com o ministro do STF, as circunstâncias o levaram à posição de destaque. Para o New York Times, Moraes é o juiz que não se dobra aos caprichos do homem mais poderoso do planeta. Prova eloquente disso é a natural continuidade da ação penal contra Bolsonaro. Um homem contra um império. Bom para o Brasil e para a democracia.