A impunidade no crime de homicídio e o erro da imprensa no caso Marielle

02/04/2018 00:38 - Blog do Celio Gomes
Por Redação
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Na letra da lei, o prazo para a conclusão do inquérito policial varia. O tipo e as circunstâncias do crime – se eventual acusado está preso ou não, por exemplo – determinam a duração máxima das investigações. Mas tudo isso é a teoria no Código de Processo Penal. Como se sabe, o mais comum é a prorrogação do período de tempo incialmente estabelecido para a devida apuração dos fatos.

 

É uma raridade que um homicídio seja elucidado no intervalo de 30 dias, como prevê a legislação – ainda mais quando se trata de episódios com ingredientes que elevam a complexidade da situação. Um exemplo bem claro são os assassinatos por encomenda, cujo grau de planejamento torna mais difícil o trabalho da polícia. A realidade atropela os códigos.

 

É por isso que soa até como insanidade a cobrança da imprensa pela suposta demora na solução no caso Marielle Franco. De repente, vejo meio mundo de repórteres na TV repetindo a mesma lorota, mais ou menos assim: “Olha, após tantos dias da morte da vereadora, a investigação não avança, e não sabemos quem mandou e quem executou o atentado”. Só pode ser piada.

 

Não sei se esse tipo de abordagem se deve mais à ignorância ou ao sensacionalismo quase inerente em certas coberturas. O crime que abalou o Brasil, a partir do Rio de Janeiro, ocorreu há menos de três semanas. Nada, portanto, autoriza ninguém a acusar a polícia de incompetência, muito menos a esbravejar que estamos diante de mais um caso no mapa da impunidade. Ainda não.

 

Aliás, a imprensa pode, sim, cobrar o esclarecimento rápido desse ou de qualquer outro crime. Meu espanto é que isso está sendo feito agora como se a regra no Brasil fosse a celeridade das investigações. A verdade é que na maioria dos casos de homicídio no país, os inquéritos são arquivados sem apresentar indícios de autoria. E aí sim os criminosos estão livres e impunes.

 

O quadro brasileiro nesse campo é tão caótico que praticamente todos os estados não sabem quantos homicídios, a cada ano, são investigados e solucionados. Foi o que revelou estudo do Instituto Sou da Paz, divulgado no fim do ano passado. A pesquisa se valeu de dados oficiais fornecidos pelos governos estaduais e pelo Ministério Público, em todas as unidades da federação.

 

Somente seis estados deram informações completas para se verificar o índice de esclarecimento de homicídios dolosos: São Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Rondônia. Segundo o instituto, Alagoas ficou entre os estados que, em vez de números concretos, relataram um vasto conjunto de dificuldades técnicas para produzir tal levantamento.

 

Dos seis estados que forneceram dados precisos, São Paulo conseguiu denunciar autores de homicídio em 38,6% dos casos – bem menos que a metade das investigações. Já no Rio de Janeiro, palco da emboscada que vitimou a vereadora Marielle, somente 11,8% dos assassinatos foram esclarecidos no período de um ano. O panorama é mesmo de calamidade insofismável.

 

O fracasso da apuração de crimes contra a vida, resumindo, é o previsível desfecho dos inquéritos por todo o Brasil. Por enquanto, porém, a morte de Marielle ainda não pode ser encaixada nessa estatística. Quanto ao silêncio das autoridades sobre o andamento da investigação, nada de errado com isso. Pelo contrário. Delegado falastrão não está entre os requisitos de bom trabalho.

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