Não me diga que você é o melhor!

26/03/2018 03:48 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

O pano de fundo é o futebol. Mas o teatro está além das quatro linhas, naturalmente. Tentarei explicar com mais detalhes a partir do segundo parágrafo em diante. Veja se você me entende.

 

Renato Gaúcho decidiu que, com a bola nos pés, foi melhor que Cristiano Ronaldo nos dias de hoje. Romário tem certeza que é muito melhor que Zico, Falcão e Sócrates, juntos, porque afinal o trio nunca conquistou uma Copa do Mundo, como o rei da grande área conseguiu em 1994. Maradona defende sua superioridade técnica na comparação com nada menos que Pelé – eleito o atleta do século 20. (A Argentina não sabe se prefere Maradona ou Messi, o gênio do Barcelona).

 

Lateral direito da seleção, Daniel Alves garante, em suas entrevistas e mensagens virtuais, que é “amado pelo povo”. Quando esteve no auge, Robinho gravou uma mensagem na secretária eletrônica do celular que dizia o seguinte ao desavisado que ligava: “Aqui fala o futuro melhor jogador do mundo. Não posso atender agora”. A profecia da consagração nunca se concretizou – e o recado virou mico entre os próprios parceiros. Termina a carreira de modo melancólico.   

 

Incontestável em sua majestade, reconhecido mundo afora como um fenômeno incomparável, nem assim Pelé resiste à armadilha do cabotinismo. Sempre que levado a falar sobre sucessores, sua resposta clássica é esta: “O Pelé só existe um. Seu Dondinho fechou a fábrica, nunca haverá um igual”. Sendo rei, por que diabos ele precisa reafirmar aquilo que todos já sabem? O maior de todos se angustia visivelmente ao menor sinal de que estejam por aí tentando diminuir seus feitos.

 

O histriônico Neto, especialista em gols e bandalheiras, esbraveja que, mesmo sendo “muito melhor que um monte de pernas de pau”, foi vítima de perseguição e ficou fora da Copa de 1990.  Edmundo, o fanfarrão que ganhou o apelido de “Animal” nos gramados, até hoje também esperneia pela suposta injustiça de não ter sido convocado para a Copa de 1994. “Estava no meu melhor, mas isso não adiantou nada; foi sacanagem”, disse ele mais de uma vez.   

 

Neymar Jr. não vê limites para suas presepadas, na corrida insana à caça do troféu de melhor do mundo. O cara parece atormentado com a meta que elegeu como motor de sua vida. Qualquer coisa menos que essa glória será uma tragédia para o debiloide das caretas em redes sociais. Na cabecinha oca do atacante, há uma inversão estúpida dos fatores da equação. O que seria uma decorrência do futebol jogado, já é uma obsessão capaz de prejudicar o desempenho do sujeito.

 

São essas figuras, com a mente atordoada em delírios de fama e poder, que se pretendem ídolos da garotada, referências para uma legião de aspirantes ao universo do futebol. O carnaval da imprensa esportiva, sempre disposta à bajulação e ao exagero frente a qualquer mediano jogador, ajuda bastante a piorar as coisas. É uma terrível epidemia, cada vez mais avassaladora.

 

Uma regra elementar nos informa que você é o menos indicado para atestar suas qualidades. Parece lógico que assim seja. Não custa lembrar: autopromoção, definitivamente, está longe de transformar um tosco em gênio. E esse talvez seja o menor dos problemas nessa fixação doentia em ser o melhor do planeta. Em casos mais graves, nem terapia consegue dar jeito. É jogo de alto risco.

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