Um juiz do Rio de Janeiro decide que a escolhida pelo presidente Michel Temer não pode tomar posse no cargo de ministra do Trabalho. Outro magistrado, agora de Pernambuco, suspende o processo de privatização da Eletrobrás. São decisões que se inserem numa tradição que, nos últimos anos, ficou conhecida como ativismo judicial. Se bobear, como já disse aqui, integrantes do Judiciário implantam a República dos Togados. Consideram-se acima do bem e do mal.
Eu falei em tradição. Então vamos voltar trinta anos no tempo. Em 1988 o Congresso Nacional que saíra das urnas dois anos antes teve como missão principal escrever a nova Constituição do país. Deu-se então que, ao longo do percurso, mais de uma vez, o trabalho esteve ameaçado porque algum juiz, direto de sua comarca, em qualquer biboca, mandava parar tudo.
Naqueles dias agitados, de transição e mudanças, era uma confusão atrás da outra, tudo decorrente das idiossincrasias cultivadas nas cabeças douradas do Judiciário. Não havia razão para as liminares que pretendiam simplesmente fulminar – vejam a loucura – a nova Constituição do Brasil. A saliência da magistratura atrapalhou, criou problemas, mas o país andou para a frente e a Carta está aí.
Mais adiante, em 1994, o governo Itamar Franco implantou o Plano Real, na maior engenharia econômica já vista no país – uma conquista definitiva que matou a superinflação. Mas, também aqui, houve tentativas de barrar as medidas anunciadas pelo governo. E de novo, claro, era a voz iluminada de algum togado a nos dizer o que o país pode ou não pode fazer.
O mesmo tipo de atuação da Justiça pode ser visto, em diferentes períodos, nos casos de privatização. Como sempre, os argumentos estão mais para cartilhas ideológicas da Idade da Pedra: é uma elite cheia de privilégios mostrando-se preocupada com a soberania nacional e, por isso, tem o dever de impedir a venda do patrimônio brasileiro. (Aquela do papagaio é mais engraçada).
Nos anos recentes a coisa só piorou. O ativismo está espalhado nos tribunais de canto a canto do país. A tragédia é que essa postura abusiva ganhou aval na instância máxima do Judiciário. São incontáveis as iniciativas de ministros do STF que tentam impedir ações da Presidência e do Congresso. Um dos casos mais bizarros se deu quando o ministro Luiz Fux mandou o Senado devolver à Câmara o projeto anticorrupção. Uma interferência escandalosa no Legislativo.
E este é o ponto. O essencial princípio de independência entre os poderes da República tem sido sabotado justamente por quem deveria zelar pelo respeito à Constituição. Hoje em dia, cada ministro parece ter seu próprio código de leis – e assim atropelam o ordenamento jurídico movidos por suas convicções particulares. O pior é que no horizonte não se vê sinais de mudança nessa frenética militância que assola o Judiciário.
Ao contrário, vem mais presepada por aí. Se continuarmos nessa toada, magistrados podem se orgulhar do belo trabalho que fazem: ensinam que a lei deve ser aplicada por conveniência e empurram o país para trás. Sem dúvida, é um legado e tanto para a democracia, segundo os parâmetros enviesados que predominam nos luxuosos palácios da Justiça.