Violência é insuportável?

14/11/2017 14:08 - Aurélio Schommer
Por Aurélio Schommer
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Até que ponto uma sociedade pode tolerar a violência? Bem, historicamente bem mais do que na atualidade. Pode parecer incrível, mas no Brasil e alhures a ocorrência de roubos, estupros e homicídios já foi bem maior. Mesmo antes da chegada dos europeus por aqui, os tupis se matavam por esporte e tradição, talvez porque temessem morrer de morte morrida, por velhice.

Com germânicos, chineses e hindus, não era diferente. Na África, na Europa entre os primitivos germânicos, na América entre maias e astecas, matar era fácil, a vida era barata. Estupro? Geralmente, o mais forte mandava, mais ou menos como se dá entre os gorilas, até aparecer alguém ainda mais forte e não fazer perguntas sobre consentimento às mulheres herdadas. Sim, mulheres, no plural, pois embora tudo indique que o primeiro casal humano fosse monogâmico, os descendentes em geral preferiram variar e imitar os gorilas. 

Roubo nem sempre existiu porque nem sempre houve o que roubar. Passando a haver... Entre os germânicos, a pena pelo simples furto de um pote de mel era a morte, pena aplicada por quem podia, sofrida por quem dali em diante é que não poderia mais nada mesmo. Povos inteiros houve dedicados às emboscadas com fins de roubo. A pilhagem deixou de ser norma nas guerras há pouquíssimo tempo. Na maior parte das guerras conhecidas, a pilhagem era o objetivo em si dos próprios conflitos. Já ouviu falar em Gengis Khan? A propósito, mesmo no século XX, mesmo na Europa, mulheres foram tomadas como espólio de guerra em larga escala. 

Olhar para os yanomamis por fotografia e saber deles por relatos de antropólogos de esquerda que não moram em Roraima, mas na Zona Sul do Rio, vende a falsa ideia de que os povos “naturais” (como se naturais não fôssemos todos) são e eram no passado tão mansos e pacíficos quanto uma castanheira da Amazônia. Na verdade, é raro encontrar, no passado ou na atualidade, um homem que não tenha fantasiado sobre matar alguém, e se encontramos muitos que não cogitem estuprar ou roubar, isso é cultura, não é herança genética, definitivamente. Pergunte aos gorilas. 

Nossos antepassados eram tão violentos quanto pobres. O mais rico europeu ou chinês do século XVIII podia ter muito poder e prestígio em favor de sua honra, mercadoria cara e de difícil obtenção, mas em termos daquilo que o dinheiro pode comprar ou o governo dar com o dinheiro dos outros, esse rico invejaria o padrão de vida de um seringueiro do Acre de nossos dias.

Não deixamos de ser pobres porque deixamos de ser violentos, nem deixamos de ser violentos porque deixamos de ser pobres, não há aí uma relação imediata de causa e efeito. De resto, há lugares pouco violentos e muito pobres, como os há ricos e violentos. No caso do Brasil, porém, a violência, em especial o roubo, além de importunar a todos, tem causado perdas de produtividade e abortado investimentos. 

O recente caso do assalto à mão armada a uma van da equipe Mercedes, reforçado com uma tentativa contra a equipe Sauber, ambas da Fórmula 1, fez com que fosse suspenso um teste de pneus da Pirelli no autódromo de Interlagos. A ampla repercussão dos casos no exterior mina a já minguada chance de atrair turistas ao país, além de representar uma vergonha que afeta a honra dos brasileiros, ou seja, nos tira uma mercadoria cara e difícil de obter.

A história do combate à violência pela humanidade ensina que lei e ordem costumam tornar as sociedades bem mais pacíficas. Não é tudo no caminho para a prosperidade, mas que ajuda, ajuda, e muito. A fórmula é relativamente fácil de ser aplicada, após ter sido testada tanto por governos de direita quanto de esquerda, nos quatro cantos do mundo: basta decretar que roubo e estupro não serão tolerados.

Quanto ao homicídio, o caso é mais complicado. Matar pode ter mil e uma utilidades e nem sempre baixar taxas de homicídio precisa ser uma causa popular. Dia desses, fim do mês passado, em viagem, perguntei a um frentista de posto de gasolina em Estância, Sergipe, se ele estava sendo afetado pelo fato de o estado dele ter se tornado o mais violento do Brasil.

- Ah, isso aí é os bandidos se matando entre eles. Roubo não tá tendo muito, não. Tá tudo bem.

Sim, os bandidos e os não bandidos sempre se mataram entre si, e o combate às drogas, criando necessariamente máfias e disputa por pontos de venda por si ilegais, dá uma força ao aumento das ocorrências. As próprias drogas o fazem, no caso emblemático do crack, as estatísticas mostrando que onde essa droga chega os índices de homicídios disparam até que tenha morrido número suficiente de viciados e traficantes para acalmar as coisas novamente. 

Para o frentista de Sergipe e para a trabalhadora da periferia que caminha entre o ponto de ônibus e sua casa após a jornada, não importa que se matem os violentos entre si, importa o risco de roubo e o de estupro, respectivamente. Os três índices, porém, importam ao país, a qualquer país, que queira, pelo menos, mudar de assunto e cuidar de prosperar, aplicando fórmulas relativamente fáceis: liberdade de iniciativa, respeito aos contratos (reprimir o estelionato, fazer funcionar a Justiça), proteção à propriedade privada, Estado enxuto e relativamente eficiente. Tudo que falta no Brasil, como falta o simples conceito de que não se deve tolerar a convivência com os violentos.

É inaceitável que a esquerda brasileira apoie o estado em que nos encontramos, em que o autor de um roubo é liberado em quase 100% das audiências de custódia, livre para praticar esse crime violento novamente (não confundir com furto, não violento), raramente condenado, se condenado, cumprindo apenas alguns meses de isolamento de um convívio social para o qual claramente não está preparado.

Se nossos antepassados suportavam a violência, isso se dava no mais das vezes porque não havia meios eficazes de combatê-la. Nós temos esses meios. Basta utilizá-los e parar de olhar tudo através de lentes ideológicas vermelhas. Até porque na história isso não faz sentido. Autor de roubo na União Soviética não tinha refresco nem ali se podia fazer discurso pelo “anjinho coitado que sofreu na infância”. Ladrão não é vítima de imperialismo ou do “capitalismo”, ele é resultado de uma cultura permissiva, quando não inversora de valores óbvios.

Que não cheguemos a suprimir nossas liberdades para impor o fim da epidemia de violência. Responsabilidade pessoal rima com liberdade. Que cada um responda por seus atos e os violentos sejam afastados de nosso convívio, para o bem de todos, para o bem do país, talvez para o bem deles mesmos, dada a tendência, verificada pelo frentista sergipano, de se matarem entre eles. 

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