Quem é Jair Bolsonaro

24/10/2017 10:12 - Aurélio Schommer
Por Aurélio Schommer
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“Ao recebê-lo na sua universidade e permitir que ele fale, sua instituição ajudaria um extremista de direita racista, sexista e homofóbico a alcançar o reconhecimento internacional e solidificar a viabilidade política de sua candidatura, colocando efetivamente as comunidades vulneráveis no Brasil em grande perigo de aumento da discriminação e da violência. Esta carta foi escrita por acadêmicos e ativistas políticos brasileiros baseados em todo o mundo e assinada por acadêmicos de outras nacionalidades que se comprometem com a política antifascista e se opõem à disseminação do fascismo de extrema-direita em todo o mundo”. 

Acima, trecho da carta dirigida a Mark Langevin, diretor da Iniciativa Brasil da Universidade George Washington, pedindo que Jair Bolsonaro fosse desconvidado a uma palestra-debate marcada  por Langevin. O evento de fato acabou não acontecendo, mas por desistência do próprio deputado. 

Negar um palco acadêmico a Bolsonaro é, além de abjeto em si, um favor que os signatários da carta fazem ao próprio candidato declarado à presidência do Brasil. Há favores maiores no teor da carta: dizer que as “comunidades vulneráveis no Brasil” ficam em perigo de violência com a ascensão do extremista “racista, sexista e homofóbico” é ver a realidade brasileira pelo oposto. Os brasileiros mais vulneráveis são os mais pobres e estão expostos a uma epidemia de violência entre as piores do mundo, sendo roubados, estuprados e assassinados cotidianamente. É majoritariamente desses “vulneráveis” que surge o apoio a uma ordem mais dura, representada por Bolsonaro, que, diferentemente de praticamente todos os demais políticos brasileiros, propõe agir efetivamente contra a violência. 

Esses acadêmicos ao que tudo indica são os mesmos que apoiam o populista de esquerda e corrupto condenado a partir de vasto leque de provas Lula em nome de um “progressismo” que de progresso não tem nada. Lendo a carta, dá vontade de votar em Bolsonaro, mas vamos com calma, convém antes nos debruçarmos sobre quem é Jair Messias.

Na infância, em Eldorado-SP, não chamava a atenção por seu comportamento, nem tão agressivo nem tão reservado, como se pode constatar aqui:  http://revistacrescer.globo.com/Voce-precisa-saber/noticia/2015/03/ele-era-digno-nao-era-de-falar-besteira-diz-mae-de-jair-bolsonaro.html. No Exército, formado na Academia das Agulhas Negras, foi instrutor de paraquedismo e um oficial respeitado por seus pares quando uma carta sua reclamando de baixos salários foi publicada pela imprensa. 

Político a partir de 1988, Bolsonaro passou a representar a defesa do regime militar 1964-1985 e do endurecimento do sistema penal. Também fez fama com declarações desastradas ou francamente preconceituosas contra integrantes de grupos políticos de esquerda e homossexuais. Renovando seu mandato por seis vezes consecutivas como deputado pelo Rio de Janeiro, com número crescente de votos, mantém-se como representante do nicho militar (os próprios militares e seus admiradores). Até 2014, não era identificado como alternativa crível para cargos majoritários.

Errático em votações de questões econômicas como deputado, a principal ideologia associada a ele é o anticomunismo. Até aí não lhe cabe a classificação como extrema-direita. Contra o socialismo eu também sou. Há até pensadores de centro-esquerda que renegam o marxismo. 

Com a consolidação de sua candidatura a presidente (está em primeiro lugar nas pesquisas em pelo menos cinco unidades da Federação), Bolsonaro passou a oscilar entre o liberalismo e o nacionalismo desenvolvimentista muito difundido entre militares latino-americanos, de matriz positivista. 

Na semana passada, em longa entrevista a Cláudio Dantas, de O Antagonista, repetiu alguns mantras da direita comportamental, conservadora em questões morais. É um eleitorado importante, mas ao que tudo indica não majoritário, pelo menos não como fator de escolha de um presidente. Nunca na história das eleições presidenciais no Brasil os principais candidatos se notabilizaram por essa pauta. 

A chatice do politicamente correto gera um movimento reativo, na linha “sexista e homofóbica”, como quer a esquerda comportamental. Como a moral dita conservadora é politicamente incorreta, é possível que o tema se politize a ponto de influir na escolha mais decisiva da democracia: a eleição do chefe de estado e de governo. Mas convém lembrar que nem Trump nem Duterte (ambos muito comparados a Bolsonaro, mas muito diferentes dele em muitos aspectos) tiveram nesse fator a principal causa de suas vitórias. O protecionismo e a xenofobia foram os pontos fortes de Trump, que derrotou moralistas nas primárias republicanas; o combate duro contra as drogas e à violência, os de Duterte. 

Na citada entrevista, Jair Messias (ele brincou com o “Messias” em seu nome) explorou as pautas protecionistas, a xenofobia (disse que Boulos se elegeria vereador em São Paulo se os haitianos pudessem votar) e o clamor por segurança pública. 

Bolsonaro já ganhou tanto o eleitorado politicamente incorreto quanto o preocupado sobretudo com ordem, mas é provável que não seja o suficiente. Há outra fatia, embora também minoritária por si mesma, preocupada sobretudo com a viabilidade econômica do país, com desemprego, inflação, crescimento econômico, possibilidades de prosperidade pessoal. A essa parcela do eleitorado, em geral também antilulista, o principal adversário do petista até aqui disse muito pouco além de classificar a China como uma espécie de império do mal a ser rechaçado e reforçar a crença estúpida em recursos naturais (nióbio, grafeno etc.) como redentores da nação. 

Bater em nosso principal parceiro comercial não é um bom cartão de visitas ao eleitorado mais racional, liberal ou centrista. Este grupo sabe que Bolsonaro não teria poder para implantar uma ditadura ou colocar todos os bandidos comuns num paredão de fuzilamento, mas está procurando um candidato consistente em temas cruciais para a superação da herança esquerdista, para permitir o advento de uma era de crescimento econômico sustentável, sem o qual nenhum grande problema nacional será eficazmente enfrentado. 

Candidatos boquirrotos passam uma impressão de autenticidade em meio à multidão de políticos associados à roubalheira e à incompetência. Duterte e Trump souberam explorar bem  essa característica, neles tão ou mais autêntica do que em Bolsonaro, que por vezes parece querer se desculpar pelos excessos verbais. Tais excessos, porém, não são garantia de vitória eleitoral, os loucos nem sempre elegem um dos seus para comandar o hospício. Acrescente-se o fato de que Trump contou com o apoio de um grande partido e Duterte foi antes administrador competente de Davao, onde estabeleceu pontes com o empresariado e até com setores da esquerda filipina (Duterte não é anticomunista por definição). A Jair Messias faltam tanto o apoio de uma estrutura política consolidada quanto experiência administrativa.

Ainda assim, Jair Messias Bolsonaro pode ser o próximo presidente do Brasil? Se a direita, o centro e o centro-esquerda não lulista não forem capazes de encontrar um candidato viável, pode. E pode porque a alternativa passará a ser Lula ou o candidato apoiado por Lula. E isso ninguém sensato deve querer, seria o pior dos mundos, com um risco grande de venezuelização desta vez. O lulismo novamente no poder tanto pode optar por uma espécie de peronismo pragmático como por um novo chavismo, com quem tem semelhanças mais agudas. 

Num cenário de polarização extrema, Bolsonaro pode vencer, mas precisa se tornar melhor do que revelou na entrevista a Cláudio Dantas. Se é verdade que conta com a assessoria de meu amigo Adolfo Saschida (segundo O Antagonista), estará no bom caminho em questões de gestão pública e viabilidade econômica do país. Porém até aqui os agentes econômicos não se convenceram de sua capacidade de enfrentar as corporações (ele próprio é parte de uma), construir uma boa equipe de gestão e costurar pontes políticas que lhe permitam governar efetivamente. 

Bolsonaro deve acenar ao centro e à direita liberal-conservadora clássica. Não perderá com isso seus eleitores inflamados, até porque só um eventual general Mourão seria capaz de ocupar o espaço que ele ocupa no anticomunismo radical, e é improvável que alguém assim apareça. Os bolsonaristas irão aonde seu líder for. Eles constituem uma base formidável, mas por ora não garantem sequer a presença do deputado num eventual segundo turno presidencial. 

Jair Bolsonaro precisa estar aberto a aprender sobre gestão e economia com rapidez. Sem abandonar seu selo de autenticidade, precisa cativar quem o considera ignorante, temerário ou francamente estúpido. Precisa, sobretudo, mostrar-se à altura do desafio que espera o próximo presidente do Brasil: sanear o Estado e, ao mesmo tempo, botar o país nos trilhos do crescimento para, possivelmente, relegar o lulismo a terceiro plano. 

Por ora, não dá para votar em Bolsonaro. Por ora, torço, como muitos, por uma candidatura antipetista mais sólida e confiável, que não condicione as necessárias privatizações aos olhinhos puxados ou não de possíveis compradores. Muitos analistas apostam que a candidatura de Bolsonaro irá desidratar. São os mesmos que torcem para que apareça um candidato melhor e, ao mesmo tempo, capaz de empolgar uma parcela do eleitorado tal que cave uma vaga no segundo turno, em que o adversário provavelmente será um petista, Lula ou outro. Também torço por isso, mas não tenho tanta certeza quanto à desidratação da opção Bolsonaro, que, só para esclarecer, não é “fascista”. Fascista, seguidor de Mussolini, é Beppe Grillo, o líder italiano do Movimento Cinco Estrelas, alguém ainda mais diferente de Bolsonaro do que Trump e Duterte.

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