Apavoradinhos do Brasil

04/10/2017 03:17 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

Um dos problemas mais graves no analista que vive a denunciar o avanço da extrema direita entre nós é submeter qualquer tema à sua tese pré-fabricada. E sempre com ares pesarosos, graves, desiludido com o rumo das coisas no mundo cada vez mais reacionário. Do alto de sua consciência progressista e libertária, lamenta o crescimento da maldade no coração do homem – e compartilha conosco uma palavra de resistência.

 

Não importa o escândalo da vez; tanto faz o teor da tragédia mais recente, tudo sinaliza para o perigo mortal dos miseráveis direitistas intolerantes que dominaram o universo. Pode ser uma notícia sobre casos de preconceito ou mais um atentado terrorista: o pensador indignado vai sacar suas ideias prontas para confirmar aquilo que repete, todo dia, feito papagaio.

 

Se um carro atropela um ciclista num cruzamento de São Paulo, se um estudante espanca uma professora na sala de aula, se a bancada evangélica ocupa espaços na política, se existe um filme sobre o filósofo Olavo de Carvalho – tudo isso, é claro, nos alerta sobre a diabólica ação das forças do atraso. O capeta está por todos os lados. E, não sendo pouco ser o capeta, ele é um fascista de extrema direita.

 

Em cada um de seus defensores, essa visão de mundo se pretende combativa e original, mas basta pensar um pouco para facilmente se constatar que é justamente o oposto de sua pretensão. O discurso alarmista sobre os tempos obscuros está em todas as academias, auditórios, redações e bibocas. É uma festa nas redes sociais. Posar de tolerante e acusar o extremismo pega bem no meio da patota.

 

Se nessa retórica revoltada nada existe de originalidade, o mesmo se diga quanto à sua capacidade combativa. O que se insinua como denúncia e enfrentamento, na verdade, soa apenas como populismo barato, sem qualquer efeito diante da realidade. A gritaria geral de valentes cronistas do cotidiano está mais para o circo daqueles apresentadores de TV que mal sabem o que falam.

 

Os últimos acontecimentos que acabam de ser embalados na verborragia cansativa, supostamente de esquerda, ou algo por aí, são bem distintos entre si: o caso do atirador que matou mais de 50, nos Estados Unidos, e as confusões com o artista pelado em museu de São Paulo. O que une os dois fatos? Pode ler por aí afora: na tragédia americana e na piada brasileira, os culpados são produtos da onda conservadora.

 

Isso me faz lembrar Regina Duarte nas eleições de 2002. A eterna namoradinha do país – título que ganhou por causa das novelas da Globo – desempenhou ali um papel inglório. Depois de aparecer na propaganda eleitoral de José Serra, jurando que estava morrendo de medo de uma eventual vitória de Lula, acabou conquistando o título de Apavoradinha do Brasil.

 

Com o sinal ideológico trocado, por assim dizer, os infalíveis analistas de hoje, que não perdem a chance de levantar armas contra o perigosíssimo bloco dos reacionários, estão mais para apavoradinhos das ideias feitas. Tediosamente, chovem sem parar numa tempestade de velhos clichês. Não há qualquer novidade nesse modo de olhar o mundo.

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