Você foi assaltado. E daí?

02/08/2017 12:22 - Aurélio Schommer
Por Aurélio Schommer
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Você é a favor dos direitos humanos, contra arbitrariedades legais e policiais, prega a paz, a harmonia, é compreensivo com os que cometem crimes, pois sofrimentos e privações podem levá-los a isso.

Bem, eu também não quero carta branca para agentes de Estado fazerem o que bem entendam, quero a paz e a harmonia entre os homens, mas sei, como historiador e observador das experiências humanas, que paz e harmonia são resultado direto da certeza do afastamento eficaz do convívio social dos que contra elas atentam. 

Voltemos a seu ponto de vista. Adicionalmente, você deplora as armas de fogo, acha que todos deveriam ser desarmados. As cadeias estão muito cheias e seria melhor mandar os criminosos para escolas. É, pode ser, mas você está chegando em casa, com seu filho pequeno, e um bandido armado o rende, pega tudo que você tem, incluindo seu celular, em que estão todos seus contatos. Visando retardar sua ação, ele o agride. Isso é quase praxe no ramo do assalto à mão armada. Você pode até perdoá-lo por isso, você pode comprar outro celular, recuperar seus contatos, trabalhar mais para ganhar de volta o dinheiro por ele levado, mas seu filho restará traumatizado e, provavelmente, se tornará um eleitor de Bolsonaro quando tiver idade para votar.

Na hipótese desse assalto a você, é estatisticamente muito provável que o assaltante não seja identificado. Se identificado e preso, é ainda mais provável a soltura dele no dia seguinte, na audiência de custódia, pois, afinal, ele é um pobre coitado que não merece passar pelos sofrimentos da prisão e só te roubou e te agrediu, não te matou. Se tivesse matado, teria matado só você, e isso no Brasil é tão natural… Vamos em frente. Na remotíssima hipótese de ele ser condenado e cumprir pena, será cooptado pelo PCC ou organização afim (se já não pertencer a uma delas) e deverá, quando sair da cadeia (1/6 da pena, ou seja, 8 meses no caso), pagar pela proteção a ele dada pela máfia escolhida. Como ele fará isso? Assaltando mais, matando em caso de reação ou de achar que haverá reação ou por matar a testemunha, isso é tão natural por aqui…

Sim, eu entendo que você quer a paz. Eu também. Mas você acha que a solução é tornar o mundo menos injusto. Já eu sei que justo ou injusto para as relações voluntárias e lícitas (trabalho honesto, compra e venda, patrimoniais) é relativo, resultado de escolhas livres. Injusto é furtar, roubar, matar, usar de violência contra o outro, contra a sociedade. Isso certamente é injusto, você há de convir, e não deve ficar como está, ou, gostemos você e eu ou não (eu não gosto muito), as vítimas, que são maioria, pois aquele que o assaltou irá assaltar outros, elas vão acabar elegendo alguém com o perfil de Bolsonaro, que promete liberar porte de arma e dar vida dura para bandido.

Aliás, liberar porte de arma para o cidadão não criminoso, para mim e para você, é, além de justo, eficaz, e não precisamos nem olhar para a Suíça (porte liberado e incentivado) para descobrir isso, basta ver o Paraguai, em que o crime violento é proporcionalmente inferior ao do Brasil e o cidadão comum pode usar uma arma para se defender. Isso é especialmente importante para as mulheres, que assim se protegem também do estupro, um crime que atinge 500 mil vítimas por ano no Brasil. Todos os estudos já conduzidos fora do Brasil indicam que o armamento do cidadão comum tem forte efeito na diminuição dos crimes violentos roubo e estupro, e pouco efeito na diminuição da ocorrência do crime de homicídio (há uma espécie de compensação de efeito, mas nem sempre). Logo, não há argumento, senão emocional ou casuístico, para impedir os cidadãos de exercer a melhor legítima defesa possível. De resto, já decidimos isso em referendo, resultado não respeitado, infelizmente.

Sobre “vida dura para bandido”, há algo de muito errado em nosso sistema penal. E é justamente o termo “penal”, de “pena”, “castigo”. Não há sentido em castigar um criminoso, senão talvez um sentimento de vingança, desejo que deve estar completamente ausente de razões de Estado. Ao contrário do que pensam alguns, a perspectiva do castigo em si na forma de vingança não inibe o crime, tampouco a reincidência. 

A necessidade de existir um sistema de repressão e contenção de crimes se deve ao fato insofismável de que o criminoso precisa ser afastado da sociedade, pois provou com seu ato criminoso que não pode conviver livremente no meio social. Ponto. 

Então, voltando à hipótese de você ter sido assaltado, nem eu nem você devemos querer castigar, torturar, nos vingar do assaltante. Fere a razão desejá-lo. Não importa se ele, o bandido, teve seus motivos ou não, não nos cabe julgar seu ato pelos motivos, mas pelo ato em si. É imperativo, porém, que ele não volte a assaltá-lo, nem a assaltar seu vizinho, seu familiar ou um cidadão qualquer. Para isso, há duas soluções: isolá-lo eficazmente do convívio social ou matá-lo.

Os chineses preferem matá-lo. Muitos brasileiros também acham que bandido bom é bandido morto, mas nem eu nem você devemos achar isso. Primeiro porque seria adicionar ao necessário “isolar do convívio social” o desnecessário ato de vingança. Segundo, falo por mim, porque não se pode admitir matar alguém a sangue frio, de caso pensado. Quem mata a sangue frio estará sempre errado, e não podemos autorizar o Estado a matar a sangue frio em nosso nome, pois isso nos torna homicidas. Assim como não quero ser morto, não quero matar ninguém. Não é uma questão de justiça ou injustiça. É simplesmente inaceitável matar alguém em circunstâncias diversas da legítima defesa ou do estado de necessidade, circunstâncias que pressupõem urgência máxima no agir. 

Resta o imperativo social de isolar o criminoso, pelo menos o criminoso violento, do convívio social. É um imperativo de justiça, pois se você não se importa em ser assaltado, deve reconhecer que é injusto permitir que o assaltante faça uma próxima vítima. É injusto expor a sociedade a quem já provou, por seus atos, ser extremamente perigoso ao convívio social e à liberdade individual. Esse sentido óbvio de justiça vale, obviamente, para o menor de idade se criminoso violento, pois não se trata aqui de punir, mas de isolar para proteger a sociedade.

“Ah, mas não há vagas nos presídios para todos”. Você diz. Eu concordo. Mais: os presídios são caros e ineficientes, foge-se deles com uma frequência impressionante. Mais: os presídios são pensados como reproduções do inferno em função de nosso fetiche pelo castigo, pela vingança. Mais: os presídios são dominados por facções criminosas. Se um criminoso não violento entra ali sairá dali um criminoso violento, pois isso lhe será exigido pela facção.  

Está tudo errado em nosso sistema de presídios, mas há um erro precedente que precisa ser levado em conta antes de esvaziar os presídios: os criminosos violentos precisam ser isolados do convívio social. Se eles não estiverem presos, só os matando. Se o Estado não o fizer, os indivíduos, com um tiro aqui, outro ali, o farão pelas próprias mãos, como o fazem, ou você não sabe que para cada bandido preso há mais de um bandido morto, muitas vezes por sistemas invisíveis de segurança privada, outras por vingança privada individual, outras pelos próprios comparsas ou organizações criminosas? Entenda: a pena de morte existe na prática se não se isola o criminoso violento do convívio social. Se o bandido que o assaltou resolver, como costuma acontecer, assaltar outras pessoas, você não providenciará a ida precoce dele ao além, mas alguém o fará. Como sói acontecer. Em países em que não há prisão e isolamento de bandidos violentos, a pena de morte, paralegal, está em pleno vigor e mata muito, como se pode ver aqui, no Brasil. 

Tenho duas propostas muito simples e, garanto, extremamente eficazes, para evitar mortes, castigos cruéis, assaltos, estupros e crimes violentos em geral. A primeira é garantir que todo criminoso violento seja preso, julgado e, comprovada a autoria do crime violento, permaneça preso até que se tenha certeza de que seja muito improvável que volte a cometer crimes violentos, tão improvável quanto é improvável que alguém que nunca foi violento passe a sê-lo. Se essa certeza implicar prisão perpétua, paciência. Ou você prefere matar o criminoso? Alguém irá fazê-lo, possivelmente em legítima defesa ou estado de necessidade. Logo, preservar a sociedade do convívio com o violento é também proteger a vida do violento.

A segunda é a construção, em grande parte pelos próprios detentos, de presídios autogeridos e quase autossustentáveis. O Brasil tem grandes áreas isoladas, que por suas características podem garantir presídios com segurança máxima e vida decente em seu interior. Penso, por exemplo, no estreito que separa a Lagoa dos Patos do Oceano Atlântico. Dali, seria difícil fugir e centenas de milhares de presos poderiam ser alocados ali se ocupando de atividades agropecuárias e outras em sistema de autogestão, a um custo mínimo para o Estado. Sem direito a visitas íntimas, é claro, pois estas afrontam com razão o sentido de justiça da esmagadora maioria da sociedade. Sendo a maior parte dos detentos homens, para que estimular o nascimento de milhares de crianças que não terão presença paterna?

A segurança deve ser obrigação de cada cidadão, um princípio que os suíços levam a sério, tanto que treinam seus nacionais no uso de armas e os estimulam a render e prender eventuais bandidos pegos em flagrante ou fugitivos. Assim, todo cidadão que queira deve ser armado e treinado para evitar crimes e providenciar a prisão para fins de isolamento dos criminosos. 

Os bandidos, por outro lado, não precisam ter vida dura. Apenas devem ser obrigados a trabalhar em prol de si mesmos, num ambiente isolado da parte não violenta da sociedade, dos que são capazes de controlar seus piores instintos em prol de sua liberdade e da convivência ampla com os demais cidadãos. 

Não importa se você é de direita ou de esquerda. Se acha que a melhor solução para a epidemia de violência no Brasil é “justiça social”, seja lá o que isso for, ou Bolsonaro. Eu não acho nem uma coisa nem outra. Você deve reconhecer que só há duas maneiras de combater o crime violento: com a pena de morte ou com o isolamento do bandido do convívio social. A primeira maneira está em vigor na prática no Brasil desde sempre, os tupis já a adotavam amplamente. Não deu certo. A segunda está para ser testada a sério, de preferência sem presídios degradantes e caríssimos. 

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