PEC 241: governar é fazer escolhas

26/10/2016 11:12 - Blog do Gustavo Pessoa
Por redação

É comum encontrar no discurso dos profetas da austeridade a comparação simplista entre a gestão das contas públicas, e o que seria a gestão de um orçamento doméstico.

Tal comparação visa, na prática, escamotear como as políticas de austeridade acabam por esvaziar completamente os sentidos dos regimes democráticos, de modo a retirar do parlamento e dos governos eleitos qualquer margem de manobra, em relação ao uso do orçamento para viabilização de políticas sociais.

Tomemos como exemplo a PEC 241, que mesmo no contexto das políticas de austeridade, é vista por alguns economistas como a radicalização de algo já draconiano, por propor uma alteração no texto constitucional de modo a congelar os investimentos públicos por um período de 20 anos, admitindo, no máximo, uma correção para reposição de perdas inflacionárias.

Se admitirmos que os serviços prestados atualmente já não são bons, e que a população brasileira caminha para um envelhecimento natural, aumentando a incidência de doenças crônicas; se pensarmos que o congelamento dos investimentos em infraestrutura torna o Brasil um ambiente ainda mais permissivo à proliferação de epidemias, e se pensarmos ainda que teremos diante de nós um quadro em que os governos estarão impossibilitados de aumentar os investimentos em saúde, mesmo com eventuais aumentos na arrecadação, o futuro pode se apresentar desolador e apocalíptico .

Alguém se apressará em dizer que diante do cenário acima descrito, os governos estarão proibidos de elevar os investimentos em saúde, mas que poderão alocar recursos retirados de outras áreas, e aí reside o elemento fundamental da proposta. Os processos eleitorais perderão totalmente o seu sentido na medida em que os candidatos, para além de eventuais divergências ideológicas e programáticas, estarão postulando apenas a possibilidade de gerenciar orçamentos escassos, podendo, no máximo, se diferenciar pela escolha de prioridades.

Hipoteticamente, seria possível projetar para o futuro um debate em que um determinado candidato A buscará se diferenciar de seu adversário B, afirmando ter como prioridade a educação, mas que, para isso, será necessário a retirada de recursos na saúde ou infraestrutura, ou ainda, cultura.

Pois é exatamente a isso que estamos sendo condenados: a um fascismo fiscal em que, na melhor das hipóteses, um governo poderá contemplar uma área em investimento sacrificando outras, mesmo num cenário marcado pelo crescimento econômico e aumento de arrecadação.

Enquanto isso, o Banco Central e os governos de plantão continuam tendo total autonomia para definir a taxa de juros, e com ela drenar boa parte do orçamento para as mãos de rentistas que correspondem a um pequeno percentual da população brasileira, investem pesado em títulos da dívida pública e dormem o sono tranquilo daqueles que não precisam do SUS, não dependem do funcionamento dos institutos federais e não terão que acordar tendo diante de si um esgoto a céu aberto (...).

Dessa forma, a sociedade brasileira caminha para referendar a máxima de que governar é fazer escolhas. Pequenas escolhas, porque as grandes já foram feitas e não poderão ser alteradas por nenhum governo nos próximos 20 anos.

Em outras palavras, a PEC241 congela, por duas décadas, a nossa democracia.

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