A edição da revista Veja deste final de semana escancarou uma guerra entre o Judiciário e o Ministério Público Federal – questão que também ocorre nos estados. Advogados, ministros e ex-ministros do STF reagiram tachando a manchete de ridícula.
Na capa está o ministro Dias Toffolli citado pelo dono da OAS, Léo Pinheiro, que, em um dos seus depoimentos aos procuradores do Paraná no caso da Operação Lava Jato, disse ter indicado uma empresa de reformas para fazer um serviço na casa do ministro. Feito o trabalho, Toffoli pagou do próprio bolso.
Esse vazamento pegou tão mal que até o portal Consultor Jurídico fez uma análise e diz que o ministro virou alvo porque “tem adotado posições que desagradam os que contrariaram a noção estabelecida de que o papel do juiz hoje é condenar e não julgar”.
Análise revela, ainda, que o Ministério Público tem direcionado delações para comprometer ministros do STF e do STJ com o lançamento de suspeitas na imprensa.
Antes tarde do que nunca, mas só por conta do vazamento contra um ministro é que membros do Judiciário se unem para reagir. A reportagem não apresenta dados que incriminem Toffoli, mas constrange.
Aliás, essa estratégia de vazamentos é corriqueira contra políticos, empresários e cidadãos comuns. E os meios de comunicação são utilizados como forma de pressão e exposição.
Claro que toda denúncia tem que ser investigada e todos, com funções e cargos públicos ou não, devem satisfações à sociedade. Porém, a acusação tem que ser legítima, honesta, sem outros objetivos.
É por essas e outras questões que, quem diria, até o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Gilmar Mendes, diz ser importante uma lei que coíba o abuso de autoridade.
Mas Gilmar é daqueles que só reage quando lhe convém.
É só lembrarmos de todos os vazamentos seletivos contra partidos e políticos específicos nos últimos anos. Um imenso assassinato de reputações feitos pelo MPF, PF - com a aquiescência do juiz Sérgio Moro - , antes mesmo da aceitação da denúncia e do julgamento dos citados e suspeitos.
Vida que segue.
Leia abaixo o texto do Conjur e tire as suas conclusões:
Reportagem da Veja sobre Toffoli reflete briga entre justiceiros e Justiça
Por Márcio Chaer, Pedro Canário e Marcelo Galli, no Conjur
A revista Veja que acaba de chegar às bancas traz mais um capítulo na luta entre os justiceiros e a Justiça no Brasil. O alvo da vez está na capa e é o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal.
Recentemente, ele tem adotado posições que desagradam os que contrariaram a noção estabelecida de que o papel do juiz hoje é condenar e não julgar. Nada irrita mais os poderosos procuradores do Ministério Público Federal do que a concessão de um Habeas Corpus. Um deles publicou na Folha de S.Paulo uma reprimenda a Toffoli por esse motivo.
A rigor, a reportagem publicada esta semana não faz imputação alguma ao ministro. O enunciado da capa (Empreiteira delata ministro do Supremo) fica na promessa. Não se apresenta favorecimento da empreiteira ao ministro nem contrapartida. Apenas ilações.
Mas a reportagem traz indicações importantes: o Ministério Público tem direcionado delações para comprometer ministros do Supremo e do Superior Tribunal de Justiça. Essa queda de braço não é nova. Mas a desenvoltura dos atacantes é cada vez maior.
As “suspeitas” contra ministros são lançadas regularmente na imprensa. Dias atrás uma notinha no jornal O Globo sacudiu o meio jurídico: um dos advogados mais importantes e respeitados do país, flagrado em delito, teria procurado o MPF para fazer delação premiada disposto a informar atos de corrupção de ministros do STJ e do STF. Se a informação falsa intimidou as duas casas não se sabe. Mas o objetivo era esse.
Outra reportagem pautada pelo MPF que tem voltado à baila é a que revela que ministros têm parentes. E que esses parentes trabalham em empresas ou escritórios de advocacia. E que a ligação de parentesco “pode” facilitar eventual tráfico de influência. Exemplos concretos: nenhum. Resultado concreto: as cortes resistem cada vez mais a pedidos da defesa e cada vez menos ao que quer a acusação.
A contenda promete. A peleja vai longe. Aguarda-se acusações, suspeitas, ilações a granel contra quem puder ameaçar o poder da acusação com Habeas Corpus considerados inconvenientes.
Críticas
Para o ministro Gilmar Mendes, do STF, toda acusação deve ser investigada e todo homem público deve satisfação à sociedade, “mas a acusação deve ser legítima, jamais anônima e muito menos com objetivos espúrios”. A reportagem da Veja, como a própria revista admite, diz Mendes, “serve apenas para constranger o ministro”. Presidente o Tribunal Superior Eleitoral, ele diz ser importante uma lei que coíba o abuso de autoridade.
O ex-advogado-geral da União Luís Inácio Adams é de opinião semelhante. Para ele, a revista só “especula sobre uma promessa de delação que refere a fatos que não têm qualquer remota relação com algum crime ou conduta reprovável”. “É lamentável a superficialidade da especulação feita.”
Aposentado do STF, o ministro Nelson Jobim classificou de “ridícula” a reportagem da Veja. Segundo ele, a publicação foi “irresponsável” por ter transformado um texto que não diz nada em capa para constranger o ministro Toffoli. A reportagem traz algumas perguntas a seus leitores. Jobim tem as dele: “Quem vazou aquelas informações? O Ministério Público ou a Polícia Federal? Qual é o interesse das pessoas que estão fazendo isso?”
“Há avanço em se cometer imoralidades a pretexto de combater imoralidades?”, questiona o ministro Luis Felipe Salomão, do STJ. Para o representante do STJ, a violenta pressão contra a cúpula do Judiciário atrapalha a aplicação da justiça. “Hoje os juízes estão decidindo com medo, sob absoluta pressão. Onde isso ocorreu, sempre resultou em ditadura.”
A mesma preocupação tem o advogado Pierpaolo Bottini, professor de Direito Penal da USP. “Caminhamos a passos largos para o arbítrio disfarçado de salvador da pátria. Não é a primeira vez que isso acontece na história do país", comenta.
“Há uma tendência em se jogar suspeita sistemática sobre o magistrado quando ele decide a favor do réu. Cria-se um clima em que a decisão mais fácil é condenar, punir, ainda que não haja certeza sobre os fatos”, afirma o advogado. “Aquele que absolve sempre é olhado de esgueio, como se tivesse praticado um ilícito. Inverte-se a ordem constitucional, a presunção de inocência. O juiz garantista é demonizado, como se fosse um agente criminoso, quando tudo o que faz é cumprir seu juramento perante a Constituição.”
Outro ministro do STF, que prefere não se identificar, aponta “o nefando fenômeno que vivemos hoje: o da criminalização das relações políticas, sociais, pessoais e até familiares”. Esse ministro referenda, “as tentativas de intimidação de ministros do Supremo e de juízes têm crescido, de forma preocupante, nos últimos tempos”.
Ex-presidente do Supremo e já aposentado, o ministro Sepúlveda Pertence é mais um dos que observa com incômodo o comportamento dos investigadores da vez. Em entrevista à ConJur publicada em julho deste ano, ele declarou: “Houve a criação de uma mística em que uma crítica, por mais pontual que seja, por mais consequente que seja, ao ‘juízo de Curitiba’ tornou-se um pecado mortal. Ou uma conspiração”.
Ao passado
A força-tarefa da “lava jato” também tem levado às mesas de negociações com delatores investigações antigas. O caso mais candente é o da operação castelo de areia, que investigou um esquema de corrupção em obras tocadas pela Camargo Corrêa, mas acabou trancada por ilegalidade na forma com que foram colhidas as provas – os investigadores partiram de uma denúncia anônima para grampos telefônicos generalizados, tudo com anuência da Justiça Federal.
Em abril de 2011, a 6ª Turma do STJ trancou as investigações e todas as ações penais que decorreram daquelas provas. Em outras palavras, disse que não se podem cometer ilegalidades para investigar ilegalidades.
Hoje os investigadores citam o assunto nas negociações com os executivos da Camargo Corrêa. Querem descobrir, na empreiteira, um setor de pagamento de propinas e caixa 2 semelhante ao que anunciam ter achado na Odebrecht. E querem punir os controladores da empresa, notadamente os herdeiros de Sebastião Camargo, fundador da empresa ao lado de Sylvio Brand Corrêa.
Trata-se de mais uma estratégia de intimidação aos ministros do STJ. A maioria das abordagens aos delatores tem sido discreta, mas alguns perguntam com todas as letras quem foram os ministros que receberam dinheiro para decidir daquele jeito, já que para os investigadores é inconcebível que a Justiça tenha julgado, e não punido, os acusados.
Dado digno de nota é que o único ministro dos que condenaram a castelo de areia que continua no tribunal é a ministra Maria Thereza de Assis Moura. Hoje, é considerada uma juíza de perfil duro, resistente aos pedidos da defesa.