Nelson Honorato dos Santos, 64 anos, passa a semana abrigado na sede da Rede Feminina de Combate ao Câncer realizando tratamento de radioterapia em Maceió para se curar de um tumor na bexiga. Foi em um momento de descanso, durante a exibição do noticiário, que o sertanejo natural do município de Delmiro Gouveia recebeu a primeira informação sobre a cápsula de fosfoetanolamina sintética, a droga que ficou conhecida como “pílula do câncer”, mesmo antes da aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Por conhecer pouco do assunto, senhor Nelson, como é chamado pelos colegas dentro da instituição, deixa transparecer claramente a sua esperança ao comentar que a pílula poderá trazer a cura para as pessoas que sofrem com a doença. “Eu ouvi falar sobre esse remédio pela televisão e ainda não tive a oportunidade de perguntar ao médico que me acompanha sobre ele, mas assim que tiver essa oportunidade irei perguntar sim”.
Por conviver diariamente com outros pacientes com câncer, Nelson afirma que será uma alegria imensa para todos se houver resultado positivo no combate aos tumores. “Triste daqueles que desenvolvem essa doença. Se for aprovado, será uma alegria para mim e para as outras pessoas ter um comprimido que possa curar”, contou Nelson.
Sentada ao lado de Nelson, a aposentada Antônia Joana dos Santos, 67 anos, concorda com toda esperança depositada pelos pacientes, assim como ela, na ação da pílula no combate ao câncer. Ela também mora no interior do Estado, no povoado de Barra de Jequiá, e segue todas as segundas-feiras para Rede Feminina de Combate ao Câncer, que atende mais 40 pacientes.
Durante anos, a Universidade de São Paulo (USP) distribuiu gratuitamente as cápsulas de fosfoetanolamina. No entanto, o Instituto de Química da USP, em São Carlos-SP, proibiu a produção e distribuição em 2014, depois de uma portaria determinando que substâncias experimentais tivessem todos os registros antes de serem liberadas à população.
Desde então, para conseguir o remédio, os pacientes ingressaram com ação na Justiça e teve início uma comoção popular para a liberação. Com isso, a tramitação de um Projeto de Lei foi iniciada no Congresso Nacional, para autorizar a produção, distribuição e a venda do medicamento.
Um dia antes de o projeto ser aprovado pelo Senado Federal e seguir para sanção da presidente Dilma Rousseff, o primeiro teste científico oficial, autorizada pelo Ministério da Ciência e da Tecnologia, não revelou um resultado aguardado por pacientes que afirmaram melhoras com o uso do medicamento.
De acordo com dados divulgados pelo ministério, a cápsula contém somente 30% da substância de fosfoetanolamina, com pouco ou nenhum efeito sobre as células tumorais, além de ter baixo grau de pureza.
“Essa pílula não pode ser uma panaceia. Contraindicarei”, diz oncologista
Ao contrário do que vem sendo defendido por deputados e senadores, que saíram em defesa do uso da fosfoetanolamina como a cura do câncer, os médicos especialistas em tratamento da doença condenam o usos da substância e até advertem para possíveis efeitos com a ingestão. Para o oncologista alagoano André Luiz Pereira Guimarães, a pílula contra o câncer não pode ser uma pananceia, que possa curar todos os males.
Ele explica que a medicina reconhece 32 tipos da doença, com 32 tipos diferentes de tratamentos, mas que tem um elo comum entre elas, que é a multiplicação desordenada das células. “Não se pode tratar doenças diferentes com um único remédio apenas. Hoje se usa diversos remédios cada um aplicado para um tipo de câncer”, ponderou o médico.
O médico acredita que o medicamento tenha sido pouco ativo ou não foi ativo no organismo dos pacientes que fazem relatos positivos sobre o uso e faz um alerta para uso generalizado. “Não se foi feito nenhum estudo ou pesquisa relacionando o efeito dessa pílula com o câncer de mama, por exemplo. O que tivemos foram relatos de pessoas”, afirmou André Luiz.
Para ele, o poder da mente pode influenciar no sentimento dos pacientes. “Recentemente li uma frase que dizia que pessoas desesperadas tomam atitudes erradas. Então é isso que está acontecendo. Você no desespero de curar seu ente querido, vocês faz tudo. Pega um paciente que não tem mais nada a fazer, ele irá fazer esse tratamento, mas estará comprometendo a saúde porque não tem testes químicos. Não se sabe nada sobre o efeito dessa pílula”, acrescentou o especialista.
O especialista afirma que a esperança da cura em um único remédio acarreta muitas vezes na desistência do tratamento convencional da quimioterapia e radioterapia, prescrito pela Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica. “Já foi procurado por muitos pacientes, mas enquanto não tiver testes para indicar qual o tipo de câncer, porque essa droga não pode ser uma pananceia, irei contra indicar o uso”, frisou.
A presidente da Associação dos Pais e Amigos dos Leucêmicos de Alagoas (Apala), Rosa Fernandes, defende a realização de testes químicos para que a sustância seja aprovada para uso. Segundo ela, até o momento, não foi feito nenhum relatado sobre o efeito ou ingestão da pílula para os tipos de câncer infantil.
“Sempre que aparece uma esperança todos nós vibramos, mas é preciso que tudo seja aprovado, principalmente pela Anvisa, para que todos possam ter a segurança na utilização do medicamento”, disse Rosa.
Mesmo com os primeiros testes desaforáveis ao uso da substância, outras avaliações serão feitas aferir a dosagem e o efeito do remédio em animais com tumores.