Sobre anos que não acabam e relógios parados

02/03/2016 13:28 - Diálogos e Debate
Por Diálogos & Debate

        Martin Luther King disse certa vez não se importar quanto tempo viveria na vida, pois que sua grande preocupação era como viveria no tempo.

        Nós, profissionais da História nos relacionamos com o tempo com uma grandeza incerta, pois que há momentos em que a História  acaba por dar razão a Trótski e o relógio se acelera.

        A intensidade do que se processa em um dado momento histórico pode deixar sequelas e produzir transformações fantásticas na história de uma sociedade. É a tal da História de curta duração.

        1968 talvez tenha sido isso: um ano que valeu por séculos e o Maio de 68, então, foi o mês que valeu por décadas. Com uma sincronia poucas vezes vistas na história, flores começaram a desabrochar em várias partes do mundo sob a forma de revoltas que questionavam um modelo de sociedade que as gerações mais antigas desejavam petrificar.

        Era até natural que aqueles senhores, que já haviam passado dos 60, transpirassem profundo conservadorismo quando lembramos, que aqueles outrora moços e moças, tinham visto a sua juventude escapar pelas mãos na tragédia das duas grandes guerras mundiais.

        Para aqueles cansados anciãos franceses, lutar pela estabilidade e pela supremacia do prosaico era a grande utopia. Nada que pudesse carregar em si o germe da transformação era bem recebido.

        Pois, é justamente nesse contexto lacônico e de relações congeladas que se dá a erupção do vulcão de 68, que com o seu magma crítico se põe a questionar o cotidiano e rompe o invólucro dos insossos padrões comportamentais.

        De Stanford a Nanterre, passando pela UFRJ, estudantes do mundo inteiro pareciam ter acordado com uma sentença de morte na cabeça e era preciso correr contra o tempo para que os sonhos fossem realizados.

        Quem quer conter as transformações jamais irá compreender o que se passa na cabeça de um revolucionário. Charles de Gaulle sabia de Daniel Conh Bendit tanto quanto Luis XVI sabia de Jean Paul Marat e ambos não tinham a menor noção a respeito da força histórica com a qual iriam se debater.

        Reza a lenda que Luis XVI teria indagado a um dos seus acessões sobre os acontecimentos de Paris e se aquilo se tratava de uma revolta, no que o assessor respondeu se tratar de uma revolução.

        Quase duzentos anos depois, Charles de Gaulle perguntaria perplexo a um dos seus assessores porque os estudantes e aos estudantes de Nantes, faziam tanta questão de dormirem nos mesmos dormitórios, se podiam se encontrar nos cinema e nos jardins. A surpresa de ambos, é um sinal de que sem corda, o relógio da história pode parar, mas, mesmo com relógios parados, o tempo continuará embalando dias, tardes e noites.

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