Alguma coisa está fora da ordem

11/02/2016 16:51 - Diálogos e Debate
Por Diálogos em Debate

Já se vão quase 60 anos daquela campanha radicalmente polarizada na qual Kennedy venceu Nixon com uma diferença de 0,1% do eleitorado, mas que se traduziu em ampla vantagem no colégio eleitoral pelo triunfo nos estados mais expressivos.

O país já havia encerrado a sua lua de mel com Eisenhower e começava a sentir os efeitos de uma crise econômica que se manifestava através do aumento da inflação e das taxas de desemprego.

Foi também a primeira grande campanha eleitoral do Ocidente na qual o papel desempenhado pela televisão foi um fator decisivo para influenciar a escolha do eleitorado, até hoje os quatro debates realizados ente os dois candidatos continuam sendo objeto de estudo para o marketing político.

No auge da guerra fria, Kennedy era um jovem e promissor político católico de Massachussetts enfrentando Nixon, um verdadeiro animal político com larga experiência acumulada como vice de Eisenhower.

O jovem e milionário político, descendente de irlandeses criticava a indiferença do Estado em relação aos graves problemas do país e denunciava as limitações do mercado para corrigir as graves distorções sociais, sobretudo aquelas que aprofundavam o fosso entre negros e brancos e entre o sul e o norte do país.

Exatos 56 anos depois, os resultados parciais das prévias de New Hampshire revelam, novamente, que o bipartidarismo norte-americano reassume a coloração ideológica perdida nas últimas décadas, diminuindo e enfraquecendo o discurso dos setores moderados de ambos os lados.

Desde o polêmico governo de Ronald Reagan que as diferenças entre republicanos e democratas haviam sido reduzidas a questões pontuais, quase sempre relacionadas a política externa do país.

As eleições primárias para a escolha dos dois postulantes ao posto de homem mais poderoso do mundo, revelam um eleitorado mais permeável ao discurso ideologizado e mais rarefeito à moderação.

É nesse contexto que podemos enxergar fenômenos como Donald Trump e Bernie Sanders; o primeiro, encarnando o espírito doutrinário do Tea party, postula um liberalismo radical no campo econômico, simbolizado pela crítica incisiva ao Obamacare, amalgamado com um conservadorismo moral que se traduz na defesa intransigente do fechamento das fronteiras, recentemente chegou a  propor que o governo mexicano arcasse com os custos orçados em 8 bilhões de dólares para a construção de um muro na fronteira entre os dois países.

Sanders, por sua vez, tornou-se o pesadelo de Hillary Clinton, resgatou o discurso social democrata, a tempos adormecido nas principais fortalezas democratas, denunciou o desastre das intervenções externas do país e propôs uma repactuação com base em um novo New Deal, atribuindo ao Estado um papel decisivo como indutor de um novo modelo de crescimento econômico. É também de Sanders as críticas mais contundentes ao que ele tem chamado de consensos artificiais em torno das políticas austeridade fomentadas por Wall Street.

Sanders e Trumph podem até ficar pelo caminho, é até provável que na reta final o eleitorado americano opte por soluções menos intempestivas, mas o desempenho de ambos reforça o raciocínio de Noam Chomsky que enxerga semelhanças entre o atual momento com o período entre guerras, em que os radicalismos alteraram o estabelichment politico, solapando os discursos mais moderados.

                Talvez seja cedo para dar razão a Chomsky, mas os fenômenos do norte, certamente, apontam para um horizonte de profundas alterações na ordem mundial.

 

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