Aquela pessoa bonita está lhe observando. Ela parece interessada, ela se aproxima, ela puxa assunto. Como é alguém que você quer muito você se envolve e em algum momento melhor da história em que seu interesse ficou evidente, ela se afasta como se da parte dela nunca tivesse existido nenhum tipo de motivação. Se uma situação semelhante a esta já lhe ocorreu então você gostará de saber sobre Yara.

Diferentes povos indígenas das Américas falam de Yara. Suas descrições e representações fogem ao tempo e ao espaço, certamente porque se associam a coisas humanas que aparecem em momentos e espaços geográficos diferentes. O nome Yara significa Senhora da Água ou aquela(e) que possui a “natureza da água”, em outras palavras, uma pessoa que parece linda, mas é fluída e impossível  de se agarrar com as mãos. Para os indígenas é uma entidade que quase sempre aparece na forma feminina.

As narrativas descrevem uma morena com cabelos lisos longos, olhos repuxados, seios bem desenhados e fartos, cintura fina, bumbum arredondado e uma voz que canta de maneira bastante sedutora. Yara está sempre despida sentada em uma pedra no meio do rio que corta a mata. Seu canto lindo e sedutor atrai os indígenas que ao ver seu corpo nu prostrado no rio não hesitam em entrar na água. Yara sempre parece muito próxima e querendo ser alcançada, todavia quanto mais entramos na água, mais Yara nos escapa e nos inflama a continuar buscando-a até que as águas do rio nos afogam nas profundezas.

Yara cultiva um exército de homens mortos no fundo do rio. Todos lhe pertencem, mas nenhum deles lhe satisfaz, estão mortos, inertes e esquecidos de suas capacidades. Estes homens mortos vivem para sempre fixados em Yara que sequer deixa-os respirar. Ninguém mais os vê, ninguém mais escuta nada sobre eles, sabem apenas que apagaram suas vidas e deixaram de ser quem eram para estar junto de Yara que continua a afogar novos homens.

Yara então não é só aquela mulher difícil que não se deixa seduzir e que tenta atrair a todos. Mas, Yara é antes de tudo qualquer pessoa que só consegue ser feliz aprisionando outros, sentindo que tem poder sobre outras, tirando-lhes a vida e as possibilidades de se realizar, desenvolver e ganhar reconhecimento. Yara pode ser aquela esposa ou esposo que embora seja carinhosa ou carinhoso, o carinho vem a custa de uma prisão, de um afogamento, de um deixar de existir para viver prisioneiro de uma situação. Yara pode ser aquela mulher que nunca se entrega de verdade, que embora seja linda, você nunca a tem por completo, tentar este contato mais íntimo e verdadeiro é simplesmente ter a certeza do afogamento.

Já tive contato com algumas pessoas Yaras, são um perigo, pois estão sempre arrumadas e carentes de carinho e cuidados, porém não se enganem, esta aparente carência, doçura e sede de afeto esconde um rio profundo, vazio e sem vida que corta o seu ser. As Yaras são divindades, são deusas, pelo menos assim as pessoas as veem e elas mesmas se percebem desta forma em muitos casos (se acham importantes demais). Mas, Yaras são divindades vazias, que não conseguem se enxergar no seu vácuo, por isso sentem apenas a fome que esse vazio lhes causa no estomago. Este vazio precisa devorar alguém, precisa engolir apenas para preencher este espaço oco. Por isso aquele que cai nas garras de Yara, mesmo que consiga interagir com ela será destruído, apagado, sufocado, afogado.

Lembro no início de minha carreira de um marido Yara que sempre que a mulher melhorava da depressão (rio que se afogava) e se tornava mais ativa, trabalhando fora e se cuidando mais, este se sentia inseguro e sem perceber conspirava para o adoecimento da esposa. Quando ela adoecia ele podia ser o super-herói, o salvador dela, aquele que se preocupava e a levava para psiquiatras e neurologistas. Desta forma ele conservava a imagem de bom homem, mas não passava de um marido Yara.

Uma Yara que recebi no consultório me falava de um rapaz que precisava de ajuda (este cuidado quase não me deixou perceber que ela era uma Yara). O rapaz entrou em contato e veio ao meu encontro arrebentado. Ele estava perdidamente apaixonado pela Yara, ele estava praticamente no fundo do rio. Ele me contou a história, contou-me como ela era uma amiga de faculdade que gradativamente se aproximou e o olhou com desejo. Ele então passou a cultivar um relacionamento e planejar um futuro com Yara. Ele convidava Yara para sair, eles iam ao cinema, eles se beijaram, mas quando ele se sentia numa relação com Yara, ela simplesmente disse-lhe que não entendia o porquê dele esta se comportando como se ela quisesse alguma coisa com ele. Ele então se afastava e quando procurava desligá-la e se afastar, ela sinalizava cuidado, carinho e afeto, parecia novamente querer algo mais. Todavia, ao se aproximar novamente era acusado mais uma vez de confundir as coisas. Ela de fato era uma Yara das mais perigosas. Ela queria simplesmente se sentir deusa: intocável, mas desejada. E ele e muitos outros alimentaram este sentimento de deusa que esta Yara possuía.

A Yara supra-referida montou um esquema tão bem organizado que ela mesma dificilmente se perceberá como Yara. Esta talvez seja a maior debilidade de Yara, não ser capaz de perceber o que é e o que faz com os outros. A mesma procurou o psicólogo para ele – uma mulher bondosa assim não podia ser uma Yara, mas ela era. As Yaras são profissionais em desenvolver qualidades que parecem boas, principalmente físicas, mas isto esconde delas mesmas os seus padrões de comportamento destrutivos.

As Yaras nascem sempre que colocamos alguém na posição de deuses, fazemos isto sempre que damos importância demais às pessoas. Evidentemente que nem todos que recebem atenção e importância se transformam em Yaras, mas uma quantidade significativa de pessoas se vicia nesta glória que as pessoas lhe devotam. Os viciados sentem fome de admiração, de ver as pessoas correndo atrás, como não possuem nada para oferecer a não ser o vazio, elas mantém certa distância que causa o afogamento do outro. Digamos que o afogamento ocorre porque o admirador sai da margem do rio e não consegue chegar na pedra que Yara se encontra, ele morre tentando alcançar Yara que  parece se aproximar para ajudar na travessia.

Quando perguntei a uma Yara porque ela simplesmente não se afastava do pobre coitado que se afogava para que ele pudesse retornar a margem e seguir o seu caminho, ela simplesmente respondeu: é muito boa a sensação de saber que tem alguém atrás de você. É essa necessidade de saber que tem alguém ali disponível para morrer que faz a Yara matar você. Ela se sente insegura sozinha. Por isso precisa ter algo do seu lado, mesmo que seja um morto.

Uma Yara só deixará de ser Yara quando entender que os outros se aproximam dela porque também querem algo. Esta história de amizade entre sexos opostos é um grande canto sedutório de Yara. A amizade entre os sexos opostos em idade reprodutiva é possível, mas só quando bem definido qual a linha de interesse que gera a aproximação e com os devidos cuidados para não ultrapassar certos limites. Os guerreiros e sábios desagradam as Yaras porque estes não aceitam o afogamento e nem dão a devoção aos deuses se estes não provarem que dão retorno, em outras palavras, eles não são como a maior parte dos lerdos que aceitam divinizar a carne sem comê-la. Por isso elas (as Yaras) precisam dar um retorno maior do que seu canto de sedução. Quando uma Yara começa a entender que precisa ser útil ela vai deixando de afogar os outros, porque não mais se sente insegura sozinha, visto que agora também desenvolveu talentos.

Aprendamos a deixar as Yaras na solidão para evitar o afogamento, do mesmo modo vejamos a humanidade dos deuses sem nos devotar a eles quando estes não dão retorno. Deste modo, quando aprendemos a cobrar nos condicionando a não ceder nada sem retorno, as divindades não serão mais intocáveis.

Assim eu aprendi, assim eu conto para vocês.