Técnica de Memória: Encadeamento

31/03/2013 06:56 - Psicologia - Gerson Alves
Por Gérson Alves da Silva Jr
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Para superar o medo de falar em público e as dificuldades com a memória resultantes desta problemática elaboramos um Projeto de Extensão, na Universidade Federal de Alagoas, intitulado Formação Acadêmica para Estratégia de Adequação ao Ensino Superior. Estamos postando periodicamente material que explica passo a passo os procedimentos que devem ser tomados. Inicialmente falaremos sobre memória e técnicas mnemônicas, pois de posse destas informações os leitores terão maior facilidade para organizar seus discursos futuramente, segurança para não esquecer e, além disto, as técnicas serão uteis para os estudos. Nesta etapa ensinaremos uma técnica simples (encadeamento), mas muito importante para a base de outras técnicas mais complexas.

As técnicas encurtam o caminho de um indivíduo até seus objetivos. Elas são resultado de uma observação minuciosa de pessoas que geralmente praticam determinada atividade ou as observam por muito tempo de forma criteriosa. Ou seja, as técnicas são na verdade um conjunto de procedimentos (comportamentos) esquemáticos que eliminam aparatos e ações desnecessárias para a consecução de determinada consequência. As técnicas potencializam uma ação diminuindo o desgaste de energia e tempo, pois eliminam o sobrepeso comportamental desnecessário. Como a técnica é sempre um conjunto de procedimentos/comportamentos ela precisa ser ensaiada, para que por meio de modelagem ou modelação ela possa ser aperfeiçoada. Não basta assistir uma luta de boxe para ser um bom boxeador. É necessário treinar exaustivamente para que por meio das consequências possamos gradativamente construir os repertórios que configuram uma boa técnica.

As técnicas de memória ou mnemotécnicas são explicadas melhor hoje, devido o nosso conhecimento do processo evolutivo e ao avanço das neurociências, mas o desenvolvimento das mesmas remonta a pré-história da humanidade. Em sua grande maioria envolvem uma série de estratégias que estimulam áreas diferentes do cérebro e por conta disto temos a mesma informação sendo trabalhada por áreas corticais distintas. Isto forma circuitos mais complexos e associados a bases mais fáceis de serem acionadas e ao mesmo tempo mais duradouras.

Embora as técnicas de memória quase sempre sejam desacreditadas e muitos pesquisadores por desconhecerem as mesmas afirmem ser impossível ensiná-las, à medida que formos apresentando estas aqui, permitiremos que os leitores cheguem as suas próprias conclusões. Faremos sempre a apresentação da técnica primeiro, só depois explicaremos o seu funcionamento estrutural e os detalhes para melhorá-la a partir do treinamento.

A técnica do encadeamento mnemônico é empregada para memorizar lista de palavras e embora no início haja insegurança para memorizar mais de vinte palavras, à medida que forem se familiarizando e praticando a técnica, não há limites bem definidos para a quantidade de palavras que poderão lembrar posteriormente.

Façamos um teste e vejamos quantas palavras você é capaz de lembrar. Leia as palavras em ordem e procure fazer o maior esforço para reproduzi-las posteriormente: 1) tesoura, 2) borracha, 3) sandália, 4) celular, 5) banana, 6) cadeira, 7) caneta, 8) chave, 9) copo, 10) sabonete, 11) travesseiro, 12) bola, 13) pena, 14) gravata, 15) garrafa, 16) faca, 17) martelo, 18) pedra, 19) quadro, 20) pão.

Após a leitura dessas palavras pegue uma folha de papel e sem olhar para o texto procure reescrever as palavras na mesma ordem e veja quantas destas palavras você será capaz de lembrar. Não olhe novamente as palavras e, mesmo que você demore para pegar o papel e a caneta, tente utilizar exclusivamente de sua lembrança.

Caso você consiga lembrar mais de 10 palavras, você estará se saindo muito bem. Pois, normalmente lembramos 5 a 7 itens quando estes não sofrem algum tipo de associação. Vejamos agora a técnica para ver se melhora alguma coisa.

Primeiramente precisamos pensar nas palavras, não apenas no seu sentido fonético/auditivo, mas precisamos ver as palavras de forma a ser capaz de imaginar visualmente uma tesoura, uma borracha, uma sandália e assim por diante. Precisamos visualizar as coisas as quais a sonoridade ou a escrita das palavras estão associadas. É necessário pensar cada palavra como imagem. Por conta da evolução, somos capazes de lembrar melhor de imagens do que sons. Lembramos com muita facilidade de um rosto conhecido, mas quase sempre esquecemos o nome das pessoas. Isto ocorre pela facilidade que nosso cérebro possui para trabalhar com estímulos visuais de modo mais eficaz que estímulos sonoros.

O segundo passo é associar a imagem da primeira palavra à imagem da segunda palavra. Do mesmo modo devemos associar a segunda imagem a terceira, a terceira por sua vez a quarta e assim por diante até a última palavra. É muito importante visualizar a primeira palavra e a última de modo bem forte. Outra observação importante é que não se faz necessário construir nenhuma estória. Sempre que as pessoas tentam construir estórias com as palavras/imagens elas perdem muito tempo e acabam ficando atrapalhadas. Por isso não é necessário este dispêndio de energia, basta associar uma imagem a outra gerando algum tipo de conexão visual entre os objetos.

Outro passo importante para a técnica funcionar bem é o exagero na imagem, nos detalhes ou a associação a algum elemento ligado à agressividade e/ou erotismo. Erotismo e agressividade estão intimamente relacionados à nossa sobrevivência, por isso o cérebro registra com muita facilidade estes elementos. Você pode exagerar também no tamanho (muito grande ou muito pequeno), no colorido, na singularidade.

Vamos pegar agora a lista supra referida e gerar visualizações encadeadas para vermos como reproduzimos posteriormente. O primeiro objeto é TESOURA, visualize então uma TESOURA com a parte de pegar preta e a parte de corte metálica (faça isso agora). O segundo objeto é BORRACHA. Visualize a TESOURA cortando a BORRACHA ao meio (faça isso agora). Pegue o terceiro objeto que é SANDÁLIA e visualize este de forma minimizada sobre a BORRACHA, de maneira que seja possível ver a SANDÁLIA sobre um dos lados da BORRACHA cortada. Importante você visualizar os detalhes da SANDÁLIA. Veja que é uma SANDÁLIA com cor amarela (faça isso agora). Também é muito interessante você fazer a imagem do objeto e passar algum tempo observando. Não deve ser esquecido que quando você está no terceiro objeto você não precisa mais ver o primeiro. Ou seja, vendo a SANDÁLIA você não precisa mais ver a TESOURA, mas é muito importante ver a SANDÁLIA sobre a BORRACHA e enquanto você ver a BORRACHA é necessário ver que é a TESOURA que a está cortando.

O quarto objeto é CELULAR, você colocará o seu CELULAR sobre a SANDÁLIA amarela (faça isso agora). O próximo elemento a ser visualizado é BANANA. Você pegará a BANANA e apertará as teclas do CELULAR com a BANANA (faça isso agora). Sobre a BANANA que você aperta as teclas do CELULAR você colocará uma CADEIRA de tamanho bastante reduzido. As pernas da CADEIRA estão postas com tanta força que furam a BANANA (faça isso agora). Sobre a cadeira você colocará uma CANETA esferográfica azul (faça isso agora). No final da caneta existe um furo ao qual se prende uma CHAVE, visualize a CHAVE balançando no final da CANETA (faça isso agora). Essa CHAVE que balança ao final da CANETA faz seu rodopio dentro de um COPO de vidro. Às vezes a CHAVE bate no COPO de vidro e você escuta o tilintar (tente fazer a visualização agora). Este COPO está equilibrado sobre um SABONETE (visualize isso agora). O SABONETE por sua vez repousa sobre um TRAVESSEIRO. Como o sabonete está um pouco molhado ele mela o TRAVESSEIRO (faça isso agora). Embaixo do TRAVESSEIRO existe uma BOLA de futebol de cor laranja (visualize a bola agora).

Enfiado na válvula de ar da BOLA você ver uma bela PENA branca de ganso (visualize isso agora). Enquanto você observa a PENA você ver que nela existe uma GRAVATA em miniatura amarrada (visualize isso agora). Na outra extremidade da GRAVATA existe uma GARRAFA de vidro amarrada (visualize agora). Dentro da GARRAFA de vidro você ver uma FACA peixeira dentro da mesma (visualize). Batendo na lamina da FACA peixeira você ver um MARTELO (visualize). Amarrado ao MARTELO para ganhar mais peso você consegue ver uma PEDRA (visualize isso agora). Sobre a PEDRA você equilibra um QUADRO branco destes utilizados em sala de aula (visualize isso agora). No QUADRO branco você ver desenhado um PÃO (faça isso agora). Visualize cada uma destas imagens detalhadamente e sempre conecte a primeira com a segunda, a segunda com a terceira e assim por diante.

Agora pegue outra folha de papel e escreva em ordem as palavras que você lembrar, desde a primeira até a última. Caso você não consiga lembrar todas as palavras basta você visualizar bem cada uma das imagens e logo você perceberá que deste modo você recorda praticamente de todas as palavras. Quando você gerar a visualização e for tentar lembrar, é importante permanecer calmo e procurar ver as imagens ao invés de tentar lembrar foneticamente das mesmas aleatoriamente. Puxe a primeira imagem e você verá as demais associadas a esta. Após registrar tudo em um papel compare os resultados de seu comportamento de lembrar a partir da técnica com o de antes de aprender a mesma.

Treine bastante, mas no início você perceberá que tenderá a confundir uma lista de palavras com outra sempre que citarem um mesmo objeto. Haverá no futuro estratégias que ensinaremos que minimizarão este problema. Outro detalhe que pode ser notado é que após o emprego da técnica no lugar de escrever o nome de um objeto você poderá escrever o de outro que faz uma referência parecida. Por exemplo, você poderá escrever CHINELO no lugar de SANDÁLIA. Isto ocorrerá porque você estará acessando informações do lobo occipital (parte visual do cérebro) e daí a forma que você emitirá a resposta será semelhante à forma que você responderia caso estivesse vendo o objeto. Ou seja, você tenderá a utilizar o nome que geralmente já é mais comum para você. Para evitar este problema utilize um marcador de memória, que é um sinal na imagem indicando alguma particularidade.

Aqueles que estão interessados apenas em aprender a técnica para uso cotidiano, não precisam continuar lendo. Pois, a partir deste ponto irei explicar tecnicamente o que ocorre funcionalmente com o cérebro no processamento do encadeamento.

Primeiramente deve ser entendido que as variações genéticas que possibilitaram o desenvolvimento da linguagem são bem posteriores as variações genéticas que possibilitaram a capacidade de ver e organizar informações por meio do sentido da visão. Isto significa que o nosso aparato cerebral se moldou ao longo do processo evolutivo de modo mais articulado com os estímulos visuais. Embora o aparato auditivo seja muito antigo em termos evolutivos, a maneira que nós trabalhamos o som com o grau de complexidade que geramos associações é relativamente recente.

A capacidade então de organizarmos eventos de modo sequenciado por meio de estímulos visuais é muito mais desenvolvida que por meio de estímulos sonoros. Ao organizarmos uma frase acendemos uma série de circuitos simultaneamente no lobo temporal (em outras partes também) que serão ordenados numa sequência lógica por meio do lobo frontal. Porém, as informações visuais já se organizam em articulação íntima com o lobo frontal e de modo mais sequencial. Na verdade, ao longo da evolução foi muito mais importante organizar as coisas a partir do que se via ao invés do que se ouvia. Esse aspecto fez com que sobrevivessem mais sujeitos que se norteavam melhor por lembranças visuais ordenadas.

Temos tipos diferentes de memória e nenhuma delas representa uma cópia fiel ou um arquivo compatível com a realidade. Nosso organismo na verdade está programado para emitir certas reações frente a estimulações específicas, mas essas reações não são circuitos fechados. Os circuitos são vivos, apresentam movimento (o que altera a memória), crescimento e novas conexões sempre que as consequências das reações indicam alguma ameaça ou benefícios (ainda que resultantes de uma cadeia complexa de outras conexões).

Este modo flexível de funcionar fez com que os organismos para conseguirem sobreviver desenvolvessem níveis diferentes de processamento. Para haver níveis diferentes de processamento precisou haver estruturas diferentes. Podemos distinguir claramente três estruturas bem definidas. A primeira resulta em uma estrutura mais primitiva responsável por funções vitais: arquepálio. A segunda estrutura um cérebro emocional (intermediário/paleopálio) que indica funções e reações mais complexas que foram úteis ao longo da evolução (medo, raiva, ciúme, etc.). Esta parte do sistema nervoso processa os sentimentos e emoções que são padrões de respostas comuns à espécie, mesmo que acionados por estímulos diferentes e conectados com circuitos diversos a depender do indivíduo e de sua história de vida. A terceira e última parte é a mais flexível e moderna de todas as outras estruturas: neopálio. O neopalio é extremamente suscetível a mudanças e novas conexões sempre em articulação com as duas outras estruturas que irão indicar elementos ligados à sobrevivência ou ameaça a mesma.

A maneira que memorizamos depende intimamente destas três estruturas. Pois ainda que o neopálio seja a parte mais flexível, ele precisa de indicativos de valor de sobrevivência provindos, em sua maioria, de estruturas mais primitivas e intermediárias. Ou seja, organizaremos melhor e faremos conexões mais fortes em nosso neopálio à medida que outras conexões indicarem valor de sobrevivência maior.

Aquilo que antes se chamava decorar agora passa a ser visto de fato como se processa. Pois sabemos que o cérebro se utiliza de certas estruturas hipocampais (paleopálio) e frontais (neopálio) para gerar uma memória mais operacional em que sua durabilidade não é a mesma como as das memórias em que geramos novos circuitos (em diversas áreas do neopálio) por meio do crescimento dendrítico dos neurônios. Aprender com memória de longo prazo requer crescimento de novas ramificações dendríticas para formação de circuitos. O cérebro precisa de esforço, nutrientes, tempo, descanso e indicativos para isso.

Quando nos utilizamos de técnicas, como a do encadeamento, nós damos uma direção diferente de processamento das informações (lobo temporal, occipital, frontal e hipocampo são acionados). Nós nos utilizamos de circuitos já formados por outros processos, por isso se torna mais econômico e fácil trabalhar desta maneira, sem falar da predisposição filogenética para lidar com imagens. Mas, gerar este tipo de associação por meio da técnica não é garantia de memória permanente.

É necessário saber que todo sistema de memória se altera (Elizabeth Loftus é uma boa leitura para entender isto), pois a memória é resultado do funcionamento e comunicação entre as células. Como as células são vivas elas se movimentam e se conectam de modo diferente a cada instante formando novos circuitos e consequentemente alterando a rede interconectada de informações que já existia antes. O modo que temos para fortalecer certos circuitos (consequentemente informações e lembranças) é a utilização deste com certa frequência e o disparo das áreas de recompensa ou proteção do cérebro (no paleopálio e no arquepálio) sempre que os supracitados circuitos são acionados. Ou seja, de fato temos uma memória temporária/operacional (mais relacionada ao hipocampo e áreas frontais), mas caso desejemos memorizar de modo mais confiável e duradouro (aprendizagem), precisamos exercitar e sermos consequenciados. Este processo facilita à medida que estimulamos áreas diferentes do cérebro com a mesma informação, isto é, transformando uma informação auditiva (processada no temporal) em informação visual (processada no occipital). Estudar um assunto, conversar sobre o mesmo assunto e ver documentários sobre a mesma temática é bombardear o cérebro em áreas diferentes sobre um mesmo tópico. Isto fortalece a circuitaria principalmente à medida que aumenta as chances de ser consequenciado apresentando algum novo comportamento dos modelos vistos.

Considerando o exposto, teorias pedagógicas como as de David Ausubel (1918-2008), Paulo Freire (1921-1997), Jean Piaget (1896-1980) e Lev Vygotsky (1896-1934) tornaram-se obsoletas. Tais teorias possuem pontos de vantagens, mas também possuem muitos elementos que acabam sobrecarregando a proposta, deixando-as pouco técnicas e científicas. Mas, embora estes teóricos hoje tenham sido superados, nas faculdades de Pedagogia e Psicologia do Brasil, eles continuam sendo estudados como se suas propostas fossem atuais. A única explicação plausível para isto é a dificuldade dos tutores se atualizarem ou mesmo de articularem os saberes destes teóricos com as recentes descobertas em Neurociências, Genética e Análise do Comportamento.

Outro caminho começa a se configurar no cenário mundial. Primeiro nos grandes centros e gradativamente vem se espalhando para outros pontos do planeta. Não mais negamos a importância de certas repetições como parte de um programa de modelagem de novos comportamentos. Deixamos de entender o processo de aprendizagem como um processo dualista. Entendemos agora que temos um corpo que responde ao ambiente e à medida que responde ele altera o ambiente, alterando assim a sua própria arquitetura de modo que passa a apresentar respostas em padrões diferentes. Passamos a entender que esta relação do organismo com o ambiente pode ser estudada e trabalhada de modo planejado para um melhor aproveitamento.

Encerramos assim esse primeiro momento em que apresentamos e explicamos o funcionamento da técnica de encadeamento mnemônico. Esperamos que as próximas técnicas e informações sejam úteis e deste modo dificuldades possam ser superadas.

Assim pesquisamos, assim contamos para vocês.

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