Deus é Bom

16/09/2013 11:50 - Psicologia - Gerson Alves
Por Gérson Alves da Silva Jr.
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O livro, Don't Sleep there are Snakes (Não Durma há Serpentes), narra a história de índios ateus (os Pirahãs) que se relacionaram com Daniel Everett (da Universidade de Illinois), um missionário americano que foi incumbido de evangelizar a tribo na década de 70. Muito importante destacar que os Pirahãs não são resultado da modernidade, e eles mesmos não se identificam como ateus, apenas acreditam que não devem valorizar o que não é resultado de suas experiências. Os Pirahãs acabaram modificando profundamente a forma que Everett concebia o mundo e ele mesmo se tornou ateu. Em certo ponto disse que a busca de Deus é, na verdade, a busca da felicidade, aquele povo era feliz sem cultos ou valorização ao sobrenatural. Everett chegou à conclusão que tinha muito mais a aprender com os Pirahãs do que estes com ele. Conforme o missionário, eles eram felizes pois se focavam nas ações, nas pessoas e na comunidade. Mas o que pensamos nós de uma pessoa que se diz em comunhão com Deus e não luta por uma sociedade melhor, não contribui com o desenvolvimento das pessoas e nem vigia as suas próprias ações?

O atual Papa, Francisco, tem causado grande impacto no mundo não é por sua devoção ao sobrenatural, mas por suas posturas concretas voltadas para a promoção da pessoa humana, sua dedicação à sociedade e a vigilância que mantém sobre suas ações de modo a ser sempre humilde. Parece-me que ele de certa forma assemelha-se aos Pirahãs. Mas, e quanto aos não católicos? Um homem é santo e virtuoso pelo diálogo mantido com o sobrenatural, mesmo que sem ações e lutas ou será que deveríamos dar destaque e valorizar as pessoas que realizam, que lutam por uma sociedade e pessoas melhores?

Por que dizemos que Deus é bom, se ao que parece são as ações das pessoas no mundo que as tornam boas e não a comunhão com Deus? Pode parecer uma blasfêmia, mas se continuar a leitura espero esclarecer melhor este questionamento.

Pesquisas em bases filogenéticas do comportamento demonstram como o sistema nervoso central humano evoluiu de modo a processar com muita facilidade as crenças. A razão disto é simples. As pessoas que acreditavam que estavam protegidas por um ser sobrenatural, ou que acreditavam conversar e ser amadas por algo maior e mais poderoso que elas, simplesmente lançavam-se com maior energia nos desafios e consequentemente obtinham maior êxito em suas empreitadas. Os descrentes, realistas e materialistas tendiam a serem mais cautelosos, cuidadosos e medrosos. Por não acreditarem numa força maior simplesmente acabavam paralisando com mais facilidade visto que a visão da realidade crua não lhes permitia construir uma perspectiva de vida pós-morte.

Pronto! Vamos imaginar agora um ser que nos cria, que nos ama incondicionalmente, que quer nos salvar de nossa própria maldade e ignorância. Vamos imaginar que este ser pode tudo, está presente em todos os lugares e sabe tudo. Imaginemos que este ser nos escuta a toda hora, está sempre do nosso lado e faz sempre o que é melhor para nós (mesmo que seja a morte de um ente querido: filho, esposo, pai). Este ser livra-nos do sofrimento, garante uma vida depois da morte, dá sentido as nossas vidas e nos protege de todo mal. Caso consigamos imaginar um ser assim, este ser ficará organizado como algo ruim ou algo bom? A ideia de termos um guardião desta natureza aumenta a nossa disposição de encarar o mundo e de ver colorido onde não existe cor, por isso a ideia de Deus é muito mais do que boa, ela é doce, ela é atrativa, ela é viciante, ela é o melhor negócio do mundo. Mas, se percebermos bem, este ser é um elemento que atende as necessidades humanas e apenas por isso ele é bom.

Quem procura esta ideia de Deus, supra-referida no parágrafo anterior, geralmente busca um estilo de vida cômodo, protegido e confortável. Para os acomodados e pobres em auto-análise, Deus (a ideia) é apenas mais um agregado que lhes garante a sensação de segurança e conforto. Já a ideia de Deus vivida por Francisco não tem nada de boa, pois implica em trabalho, doação, luta, desconforto, anulação de seus desejos pessoais em função de benefícios coletivos. Os Pirahãs do mesmo modo, aliás sequer precisam pensar em um protetor ou guardião, assim eles ficam atentos nos cuidados que precisam ter em seu cotidiano, principalmente com as serpentes. Os Pirahãs podem não ter a ideia cômoda de um guardião e protetor universal, mas eles têm algo muito semelhante ao que o Papa Francisco demonstra ter: cuidado com as serpentes da preguiça, egoísmo, mesquinharias, vaidades. Eles e muitos outros homens de boa vontade, não precisam focar-se na ideia de um ser que constrói um mundo melhor, pois são dispostos eles mesmos a serem trabalhadores e construtores de uma sociedade e pessoas melhores.

Os homens serão salvos pela fé ou pelas ações? A resposta depende da categoria de homem e mulher que você se encaixa. Para os preguiçosos, acomodados e inseguros (incapazes de enfrentar a vida e a realidade) aconselho procurar a salvação pela fé, ela é sempre mais cômoda. O jornal italiano "La Repubblica" publicou na quarta-feira, 11 de setembro, uma longa carta do Papa Francisco na qual ele escreve aos que não creem e lhes assegura que "Deus perdoa a quem obedece a sua própria consciência". Creio que os ateus não estão preocupados com o perdão divino, mas a carta é válida, pois direciona os crentes para a necessidade de se focar nas ações refletidas e não apenas na fé. A carta de quatro páginas é uma resposta ao fundador do jornal, Eugenio Scalfari, que em vários artigos dirigia ao Pontífice algumas perguntas em nome daqueles que como ele "não acreditam e não buscam a Deus”, mas procuram construir um mundo melhor.

Deus é bom para os carentes de proteção e inseguros. Este Deus além de ser bom é um ótimo negócio para enriquecer e empoderar alguns que se aproveitam dos irrefletidos e acomodados. “Estou bem, graças a Deus” é uma frase que ilustra muito bem a inércia e a incapacidade das pessoas de tentarem lutar e construir. Esta frase é típica do preguiçoso e pouco disposto que cogita a possibilidade de Deus valorizar sua inabilidade deixando-o bem. Se para quem acredita Deus quer o bem de todos e somos nós que construímos o nosso mal, nós estamos bem graças a Deus ou graças aos esforços que fazemos para ficarmos bem e deixarmos os outros bem?

Deus e a fé são utilizados como escudo para nada fazer e causar a impressão que se faz algo. Não existe nada mais detestável do que precisarmos da ajuda concreta de alguém e daí ouvirmos aquela famosa frase: estou orando/rezando por você! Quem vive de orações engana a si mesmo e engana aos outros causando a impressão de algo fazer sem nada realizar. No lugar de orações procure fazer ações pelas pessoas.

Pastores, padres e papas que fazem ações no lugar de orações, se distanciam de um Deus que é bom (pois não reforça o comodismo) e aproximam-se de um Deus que representa trabalho, esforço, luta e coerência.

Não faço questão por protetores, governantes ou guardiões, pois me ensinaram a lutar, trabalhar e ser responsável por meus atos. Todo o bem que recebi até hoje foi resultado do esforço consciente de pessoas que foram capazes de assumir seus papeis no mundo, sabendo que suas ausências não seriam resolvidas por orações. Meus pais, meus avós, meus tios, meus professores, meus amigos e muitos outros que passaram por minha vida fizeram um esforço e um trabalho real para me garantir um bem. Amo pessoas e não o sobrenatural. Amo pessoas esforçadas por outras pessoas e pela construção de um mundo melhor, tenho medo de pessoas que não assumem seus atos e acreditam que a fé lhes salvará de algo.

Deus é bom? Isto de fato só importa para quem é inseguro e indisposto ao trabalho. Quem se foca na construção, nas pessoas, no trabalho comunitário, sabe que está construindo um mundo melhor independente do mundo ser bom ou de existir algo sobrenatural. Ainda que todos sejam preguiçosos, ainda que todos pensem apenas em si, o melhor caminho é o trabalho e a luta por pessoas e uma sociedade melhor. Não precisarei ver fadas no jardim para contemplar a beleza das flores. É muito triste saber que muitos preguiçosos acusam trabalhadores e lutadores de maus, simplesmente por não acreditarem em fadas.

Um jardim para ser bonito precisa de trabalho e dedicação, as fadas para embelezarem o mundo só precisam da fé. O custo de resposta para a fé é muito baixo, mas para o trabalho é muito alto.

Assim, com muito trabalho, esforço e dedicação eu cultivo o meu jardim junto com os Pirahãs e o Papa Francisco, assim conto para vocês!

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