Se você tiver paciência, leia estes argumentos:
1. Legalização equivale à autorização, e tornará ainda mais difícil todo esforço para controlar o uso da maconha, criando uma situação semelhante a que ocorre, hoje, com o álcool, a primeira droga entre a juventude. A experiência de outros países informa que a primeira consequência da autorização para o consumo da maconha será ampliar seu uso. A experiência nefasta com o álcool, vendido de forma descontrolada para crianças de 14 e até 12 anos, será repetida em escala semelhante com a maconha. Se já temos uma questão séria, com o álcool, que mal conseguimos enfrentar, por que criar um segundo problema, na mesma escala, com a maconha?
2. Ao contrário daquela droga quase infantil dos anos 60, de poucos efeitos colaterais, a maconha de hoje é uma droga muito mais poderosa. Seu princípio ativo, THC, foi reforçado artificialmente, para torná-la mais atraente e competitiva no mercado. A consequência é que ela se tornou mais prejudicial à saúde mental dos usuários. Pode gerar transtornos psíquicos com frequência maior. Vamos parar de ilusões: você pode gostar ou não de maconha, pode defender ou não sua legalização e pode até achar que meus argumentos são o fim da picada, coisa de quem fica chapado sem precisar sequer de um tapinha. Só não precisa acreditar que ela não faz mal a saúde. Está provado que ela pode estimular a psicoses e perda de memória. O uso frequente provoca queda na disposição para o estudo e o trabalho. Não está demonstrado que a maconha gera dependência química. Mas gera dependência psicológica, o que não é pouca coisa.
3. Discordo de quem coloca a autorização para fumar maconha no plano das liberdades individuais. A palavra-de-ordem “É proibido proibir” é muito bonita, marcou muita gente na década de 60. Mas só funciona para quem tem dinheiro no bolso para pagar a conta — seja no divã de terapeutas, ou em clínicas psiquiátricas. O debate não envolve moralismo avançado ou retrógrado de papai e mamãe. É uma questão de saúde pública. Eu acho que o Estado não pode autorizar nenhuma atividade pela qual não possa responder perante o conjunto da população. Acho que o nome disso é ética. Em nome dela o Estado tem a obrigação de proibir que as pessoas assumam o volante depois de encher a cara no boteco. Em minha opinião, o Estado não deveria autorizar o uso de armas de fogo. Também deve controlar remédios que geram dependência. E precisa orientar as famílias sobre a melhor dieta para seus filhos e participar da confecção do cardápio da merenda escolar. Concordo com a lei que proíbe bares e restaurantes de oferecer bebida a um cliente já embriagado. Sou favorável a todo esforço decente contra o uso do cigarro.
4. Um aspecto importante nesse debate envolve a desigualdade. Quando o uso da maconha prejudica um jovem de classe média, a família pode colocar a mão no bolso e pagar por uma terapia, para tentar livrá-lo da de “dependência psicológica.” Já o mano da periferia ficará entregue a própria sorte. Não por acaso, os mais coerentes advogados da legalização da maconha são aqueles que defenderam a redução de verbas para a saúde pública pelo fim da CPMF. Eles articulam a autorização para fumar maconha com a ideia de Estado mínimo. É claro que há uma visão política aqui.
5. A autorização para o uso da maconha equivale a abandonar todo esforço pela educação da juventude em nome de uma existência mais saudável. Não dá para liberar a maconha e depois dizer: “está autorizado mas não é para usar.” É muita contradição numa frase só. A legalização transforma toda campanha educativa contra o uso da maconha e outras drogas numa conversa risível, predestinada a derrota. Acredite: a maioria dos homens públicos que defende a legalização não é formada por maconheiros que fazem passeata e apanham da polícia pelo direito de acender um baseado. Seu argumento é outro. Continuam condenando a maconha. Apenas admitem que mudaram de postura diante do fracasso da política anterior, de repressão. Ou seja: não mudaram de valores nem opiniões. Apenas desistiram de defendê-los. Isso é grave.
6. Nos dias de hoje, a palavra legalização é o nome secreto para um acordo com o crime organizado, a ser consumado num momento em que o país consegue vitórias históricas sobre o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Durante décadas os brasileiros assistiram ao avanço das quadrilhas de traficantes nas favelas daquela cidade que é mesmo maravilhosa. Sempre se disse que a força do tráfico era imbatível, que não havia muito que fazer, a não ser tentar evitar um crescimento descontrolado. A tese da legalização nasceu como parte dessa visão. Tenta sustentar a visão de que todo problema se encontra na situação jurídica da droga e não na condição social da população dominada e escravizada pelo tráfico. Essa situação mudou depois que o Estado modificou uma política de abandono das populações carentes. Com a construção das UPPs apareceram empregos produtivos e muitos jovens deixaram de trabalhar para o tráfico. A presença da polícia diminuiu a arrogância e impunidade das organizações criminosas. Graças a repressão — e não a legalização — o ambiente nos morros tornou-se mais seguro e permitiu a instalação de agencias bancárias e a abertura de investimentos que ficavam longe dali. É claro que o processo ainda se encontra em sua fase inicial, mas já serve de exemplo para todo país. Debater, ampliar e corrigir falhas das UPPs é trabalhar pelo futuro.
Argumentos do Jornalista Paulo Moreira Leite da Revista Época, aos quais eu concordo inteiramente.