Medo de Falar em Público e a Memória

02/03/2013 06:19 - Psicologia - Gerson Alves
Por Gérson Alves da Silva Jr.
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Um paciente relatou que precisou ir ao banco e o letreiro automático que chamava as pessoas estava com problemas, daí quando o mesmo foi ao caixa este pediu para ele anunciar em voz alta o próximo a ser atendido pois estava rouco. Quando o paciente viu uma enorme quantidade de pessoas olhando para ele, seu coração começou a bater muito forte e sua respiração ficou ofegante. Em seguida, ele imaginou que não conseguiria falar e preferiu sair do ambiente rapidamente. Se você nunca passou por dificuldades em situações públicas, saiba que a maior parte das pessoas já passou por momentos em que precisaram falar alguma coisa publicamente e sentiram muita dificuldade, de forma que acabaram se esquivando ou fugindo da situação.

Como no caso acima, outras pessoas passam por dificuldades e embaraços semelhantes. Sofrem quando precisam apresentar trabalhos na faculdade, no emprego ou mesmo quando simplesmente precisam passar por qualquer situação pública. A primeira estratégia dessas pessoas é se esquivar da exposição. Essas esquivas aparecem com diferentes topografias. Acadêmicos com fobia, por exemplo, preferem fazer todo o trabalho sozinhos apenas para poderem chantagear o grupo ou um parceiro a não ter que se apresentar, outras vezes alegam doenças e os mais variados problemas.

O medo de falar em público ou de exposições é um dos medos mais frequentes e aterrorizantes. Pensando nesta problemática, a Pró-Reitoria de Extensão (PROEX) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) aprovou no PIBIP-Ação o projeto: Formação Acadêmica para Estratégia de Adequação ao Ensino Superior. Um dos objetivos do projeto é trabalhar as dificuldades que os acadêmicos encontram diante das exigências de uma formação superior, dentre elas o medo de falar e se expor ao público. Estou à frente deste projeto juntamente com os acadêmicos de Psicologia Rodrigo Gluck, Everson Melo e Roberta Barbosa, o mesmo se processará na Unidade da UFAL em Palmeira dos Índios durante o ano de 2013. Vale destacar ainda que o projeto é uma atividade de articulação da Clínica Escola de Psicologia da UFAL que é coordenada pela professora Cássia de Castro.

Em função deste projeto publicaremos periodicamente uma série de materiais neste portal que serão uteis não apenas para os acadêmicos envolvidos no mesmo, mas para todos que almejam passar em concursos públicos ou que simplesmente pretendem melhorar o desempenho em apresentações públicas de forma geral. Iniciaremos, pois então, fazendo uma breve discussão sobre o medo de falar em público e a memória. Destacaremos principalmente o funcionamento da memória sob circunstâncias aversivas.

O medo de falar em público remonta ao momento evolutivo em que se tornou útil para sobrevivência da espécie ser aprovado e aceito por um grupo. Em determinado momento histórico o cérebro apresentou modificações estruturais que possibilitou uma mudança comportamental. Ou seja, adotar comportamentos que permitiam a vinculação a um grupo ou permanecer vinculado a este, garantia mais a sobrevivência e continuidade que simplesmente desenvolver outras habilidades que não relacionais e comunicativas.

Entretanto, devemos sempre lembrar que o sistema nervoso evolui como se fosse à reforma de uma casa em que não se derruba as partes mais antigas, mas apenas vai se acoplando partes mais complexas. Basicamente, nosso sistema nervoso possui três andares ou três cérebros. O primeiro andar seria a parte mais primitiva que compartilhamos com animais mais simples, como peixes e répteis. Nomeamos esta primeira instância de arquepálio ou cérebro primitivo. Ela é responsável por funções básicas como a respiração, pressão sanguínea, batimento cardíaco, dentre outras. O segundo andar processa funções emocionais e recebe o nome de paleopálio ou cérebro intermediário. No paleopálio temos duas estruturas importantíssimas para o entendimento do que ocorre quando temos medo e quando lembramos ou esquecemos de algo, são estas estruturas respectivamente as amígdalas e o hipocampo.

A última instância é o terceiro andar da casa que chamamos de neopálio ou cérebro avançado. É no neopálio que temos os lobos e as áreas corticais do cérebro, que são estruturas mais sensíveis à mudança e modelagem das exigências do ambiente/cultura. Dentre os diferentes lobos é muito importante entendermos o papel do lobo frontal. Podemos dizer que é graças a esta estrutura que nos reconhecemos como humanos. O papel do lobo frontal é o de um organizador e planejador das informações e das ações.

Essa organização do encéfalo em camadas, embora possua suas divisões funcionais, não opera como instâncias isoladas. Por exemplo, investigações com aparelhos de tomografia computadorizada, permitiram observar que estímulos que representam ameaça chegam com o dobro da velocidade a amígdala do que chegam as áreas corticais do lobo frontal. Todavia, impulsos das áreas corticais do lobo frontal podem inibir os sinais de pânico da amígdala. Isto significa em termos práticos que mesmo diante de uma situação que interpretemos como ameaçadora, num primeiro momento, esta pode ser minimizada à medida que utilizamos o lobo frontal para pensarmos em estratégias e formas de lidar com aquela situação. Ou seja, teremos medo e continuaremos com medo, principalmente quando não conseguimos emitir ou não temos respostas satisfatórias para lidar com determinada situação.

Desenvolver, portanto, habilidades para lidar com a situação que nos causa pânico ou medo é a melhor estratégia para inibir respostas produzidas por áreas mais intermediárias do cérebro. Todavia, como já destacado no texto “Como evitar o branco?” postado neste mesmo portal, sempre que o sistema nervoso central detecta ameaças, mudanças estruturais começam a ocorrer e a forma que o cérebro funciona muda. Por exemplo, se estamos calmos e tranquilos o nosso hipocampo localiza com muito mais facilidades informações distribuídas nas áreas corticais, porém se estamos tensos ou sob ameaça o sistema passa a funcionar de modo mais lento como se voltasse à fase de aprendizagem. Isto ocorre por duas razões: 1) quando estamos sob ameaça o cérebro ativa de modo mais forte áreas mais primitivas ligadas à fuga e ataque, pois estas partes ao longo da história evolutiva foram mais eficazes contra feras e perigos naturais do que respostas intelectuais; 2) as áreas corticais acessadas quando estamos calmos quase sempre implicam em respostas especializadas e automatizadas do cérebro, minimizar o funcionamento deste mecanismo durante ameaça faz com que o cérebro calcule de forma mais detalhada certas informações que se fossem processadas automaticamente poderiam gerar maiores problemas.

Infelizmente nossas ameaças atuais não são tigres e outros animais selvagens, por isso muitas vezes não é útil para o homem hodierno ver suas respostas intelectuais lentificadas. No passado, não adiantava debater com uma fera apresentando argumentos para não ser devorado, porém hoje as ameaças exigem essa habilidade de diálogo para nossa sobrevivência. O que precisamos fazer então? Simples, desligar a resposta de medo para certas ocasiões. Um dos modos de fazer isto é desenvolvendo habilidades para lidar com aquela situação que antes era processada como perigo. À medida que fazemos isso nos expondo gradativamente a situação-problema e vamos gerando habituação por meio de dessensibilização. A dessensibilização é uma técnica utilizada por psicólogos comportamentais que implica na aproximação gradativa da situação ou objeto fóbico.

No caso de nosso projeto vamos construir situações simuladas de apresentações em que as pessoas que apresentam esta dificuldade vão se aproximando gradativamente de uma apresentação real. É importante destacar que as pessoas só avançam para as etapas subsequentes do programa à medida que se sentem seguras para isso. Sempre que uma pessoa se expõe a uma situação problema por um período de tempo relativamente longo, as áreas que identificam perigo vão gradativamente sendo desativadas. Primeiramente porque uma nova relação passa a se estabelecer. Segundo, porque as respostas de medo são respostas rápidas do organismo para perigos iminentes e, portanto, não permanecem ativas por longo tempo.

Cientes destes pontos acima, temos a base primeira para trabalhar nossos problemas ligados à dificuldade de se expor a grupos/público. Nas próximas postagens vamos detalhar a memória de modo geral e ensinar algumas técnicas de memória (mnemotécnicas) e oratória. Esperamos com as mnemotécnicas minimizar o medo de esquecer os conteúdos a serem trabalhados. Vamos juntos nesta caminhada.

Assim vamos produzindo e vamos contando!
 

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