Burocracia e grande procura de famílias travam projeto de internação compulsória em SP
O programa do governo de São Paulo para acelerar as internações compulsórias de usuários de droga tem esbarrado na burocracia do próprio governo estadual e na incapacidade para dar conta do número de pessoas que procuram ajuda para parentes e amigos.
O governo estadual anunciou dispor de 691 leitos para a internação de usuários de drogas, dos quais 360 estão na capital paulista, mas a disponibilidade dessas vagas não é imediata.
Na madrugada de segunda-feira, no primeiro dia da iniciativa estadual, os dez leitos temporários disponíveis no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod) já estavam preenchidos.
Membros do anexo do Poder Judiciário, instalado no centro de referência, reclamavam da falta de leitos temporários para a internação de novos dependentes químicos que chegaram ao local. A burocracia em disponibilizar vagas em clínicas de reabilitação, o que poderia desafogar os leitos temporários no centro de referência, também foi alvo de críticas.
O esforço do governo estadual, que tinha inicialmente como foco cuidar de casos mais graves, sobretudo de internação compulsória, passou a atender desde episódios de internações voluntárias até internações involuntárias, que não necessitam de determinação judicial e costumam ser solicitadas por parentes.
Por falta de informação, muitos familiares também buscavam por ajuda em casos de usuários de drogas que estão desaparecidos. O presidente da Comissão Antidrogas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cid Vieira de Souza Filho, ressaltou que o ideal é que, antes de procurar o centro de referência, as famílias se dirijam aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), subordinados à prefeitura:
Nós estamos acompanhados o sofrimento das famílias, mas não adianta trazer para cá, achando que vai internar aqui.
Aqui é feita uma triagem e, se tiver recomendação médica, vai ser acionado o plantão jurídico para que, se for o caso, postule uma internação — afirmou.
Ao ser perguntado sobre as reclamações em torno da burocracia na oferta de vagas, a coordenadora de Saúde Mental, Álcool e Drogas da Secretaria da Saúde, Rosângela Elias, justificou que os postos são solicitados a partir das características de cada paciente.
Depois de um encontro com o prefeito Fernando Haddad, o governador Geraldo Alckmin admitiu ter sido surpreendido pela procura e prometeu mais investimentos:
É uma tarefa difícil, mas não vamos desistir. O que nos surpreende é que as famílias estão procurando. A mãe não desiste — disse ele — Se precisar, nós ampliaremos e vamos atender a quem precisa.
O psiquiatra Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, defende a internação compulsória de viciados em drogas, mas diz que ela não pode ser feita como “limpeza urbana”.
Ele avalia que, ao deixar as pessoas na rua, sujeita ao vício é como se o governo estivesse permitindo um “suicídio assistido”.
Segundo ele, trabalhos científicos mostram que não há diferença de resultados entre internações compulsória e voluntária e que os resultados são melhores que o de outras medidas.
Têm de ter ambulatórios, médicos e hospitais para atender os viciados e tudo isso é um tratamento complexo e caro. E, normalmente, os estados não têm unidades e pessoal estruturados para atender o pós-internação — disse.