Medicação ou Conversa: O Que é Melhor Para o Tratamento de Psicopatologias?

06/09/2012 06:30 - Psicologia - Gerson Alves
Por Gérson Alves da Silva Jr.
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No texto intitulado “Depressão: como lidar?” apresentei pesquisas de Seligman e Hunziker que destacam a depressão como resultado da história de vida e das circunstâncias que o sujeito está envolvido (contingências). Alguns leitores, de forma mui respeitosa, então questionaram se o melhor tratamento para a depressão seria o medicamentoso ou a conversação.

Como a resposta para esta questão não seria simples e poderia levar a maiores mal-entendidos, caso fosse uma mera indicação sem argumentos sólidos e fundamentados, decidi construir um texto sobre o tema: medicação ou conversa, o que é melhor para o tratamento de psicopatologias? Para responder tal questão se faz necessário uma breve reflexão inicial sobre as patologias e as medicações.

A indústria farmacêutica consolidou sua credibilidade pública por meio de inúmeras tecnologias que nos garantiram medicamentos mais eficazes no combate as patologias. Porém, as medicações e as patologias não são as mesmas e se encaixam em categorias diferentes. As doenças podem grosseiramente se agrupar em três grandes categorias a partir da etiologia: 1) doenças que são causadas por agentes externos: fungos, bactérias, parasitas e vírus; 2) doenças que são resultado do desequilíbrio do próprio organismo ou problemas que são resultado da programação do organismo ou do desgaste natural deste: Alzheimer, diabetes e hipertensão; e 3) doenças que são causadas pela exposição do organismo a agentes químicos ou condições adversas, por exemplo, radiação solar e chumbo.

Para a primeira categoria de doenças temos medicações como: antibióticos, vacinas, antivirais, vermífugos e fungicidas. Para a segunda categoria temos substâncias químicas que simulam o efeito de humores internos do organismo para manter o nosso equilíbrio auxiliando, acelerando ou reduzindo o metabolismo e certas funções. Para a terceira categoria geralmente afasta-se o organismo do contato dos agentes patogênicos e se faz o tratamento específico conforme o problema gerado. Pode-se dizer que no caso das medicações temos ainda uma categoria que não cura nem equilibra, ela apenas causa um efeito analgésico ou "desliga" certas reações do organismo.

Essas considerações sobre patologias e medicações são importantes para entendermos o que acontece com os problemas psicológicos ou psiquiátricos. Pois, doenças psicológicas ou psiquiátricas, salvo raríssimas exceções, não são causadas por vírus, bactérias ou fungos. Portanto, a medicação para os problemas psicológicos não irá destruir o problema como um antibiótico elimina bactérias.

A maior parte dos profissionais entende as psicopatologias como resultado do desequilíbrio interno do organismo, ou seja, na segunda categoria apresentada acima. Por essa razão, quando alguém que sofre de depressão, esquizofrenia, transtorno obsessivo-compulsivo, ou algo semelhante, procura um profissional médico este se utiliza de “equilibradores”/repositores químicos que atuam no metabolismo e funções orgânicas tentando devolver o equilíbrio. Este profissional médico quase sempre é um psiquiatra. Diferente do que a maior parte das pessoas pensam, psiquiatras não tratam apenas “loucos”. Psiquiatras tratam qualquer problema psicológico, mas a diferença é que eles lançam um olhar médico sobre estes problemas.

Boa parte dos psiquiatras argumenta que as depressões, assim como outros males psicopatológicos, são resultantes de desequilíbrio químico do cérebro. Eles estão certos? A resposta é “sim”, eles estão mais do que certos. O erro começa apenas quando alguns passam a defender que esse desequilíbrio surge do nada/misteriosamente ou surge em função de fatores exclusivamente genéticos.

Os psiquiatras que acreditam que as psicopatologias são resultado exclusivo de fatores genéticos ou que de modo misterioso simplesmente aparecem, são mais propensos a desenvolverem tratamentos exclusivamente medicamentosos. Com esta visão genética restrita ou misteriosa, estes profissionais denunciam que foram péssimos alunos e que perderam o hábito de se atualizar. Muitos destes profissionais precisam mais de tratamento que os próprios pacientes. Infelizmente o paciente que cair nas mãos de um psiquiatra assim tenderá a depender da medicação pelo resto de sua vida.

Quando um paciente ou a família de um paciente procura por ajuda médica o faz porque percebe alterações no comportamento que estão causando prejuízos não só a ele, mas também a outros que lhe são próximos. Pode ser um grau de irritabilidade elevado, uma dificuldade para dormir, uma tristeza profunda, uma paralisia, uma angustia, uma distorção perceptiva, etc. Todos são problemas que causam desconforto ou prejudicam de algum modo à vítima que sofre a alteração. O médico municiado pela química da indústria farmacêutica resolve rapidamente esses desconfortos mexendo na neuroquímica do sistema nervoso central. Mas, e quanto ao problema que gerou este desequilíbrio químico o que é que o médico faz com ele?

Para que o nosso corpo se movimente, fique em alerta, sinta prazer, raiva, medo, sono, agitação, etc., ele naturalmente produz e utiliza-se de algumas substâncias químicas. Essas substâncias químicas recebem o nome de neuropeptídios e neurotransmissores. A presença destas substâncias em certas áreas do sistema nervoso pode torná-lo mais sensível, lentificá-lo, acelerar seu funcionamento, etc. Áreas específicas em interação com partes diferentes do próprio sistema nervoso, sob a atuação de determinados neurotransmissores, processam as diferentes reações comportamentais que conhecemos. Assim, quando uma pessoa usa cocaína esta interage com certas substâncias do organismo e altera o sistema dopaminérgico que além de gerar prazer causa alterações na motricidade (agitação). Quando um indivíduo utiliza álcool este influi no sistema gabaérgico que tende a deprimir (inibir) o sistema nervoso. Do mesmo modo que estas drogas alteram o funcionamento do sistema nervoso, acelerando-o ou deprimindo-o, o médico faz a mesma coisa quando administra medicação psicoterapêutica, só que com uma precisão maior.

Da mesma maneira que uma pessoa que se afoga na bebedeira por ter problemas de timidez, problemas financeiros ou amorosos, não resolverá seus problemas com o álcool, nenhuma medicação psiquiátrica irá curar o sujeito de sua depressão, bipolaridade, ansiedade, etc. Em outras palavras, a medicação nada mais é que uma droga funcionando como qualquer outra droga barata, a diferença é que é legalizada, é controlada por um profissional que deve ser responsável por sua administração e vem numa caixa bonita.

Os profissionais médicos não estão errados quando afirmam que algumas pessoas são propensas geneticamente (seria melhor vulneraveis geneticamente) a desenvolverem depressões, esquizofrenias e fobias. Mas, cometem um crasso erro quando esquecem que propensões não são determinações. A genética por si só não irá resultar em transtornos psiquiátricos. Esses transtornos são sempre resultado de uma interação complexa entre o organismo e o ambiente. É a forma que estes indivíduos interagem com o meio que irá ligar ou desligar determinadas chaves gênicas ou criar e estimular certos circuitos neurais. Por isso, nunca a medicação sozinha irá resolver o problema de um paciente. Assim como um bom porre de cachaça, a única coisa que o uso isolado ou indiscriminado de medicação pode promover é a fuga ou o adiamento do enfrentamento do problema, além de lucros para a indústria farmacêutica.

A solução seria então não tomar mais medicação? Não! A solução não é parar a medicação ou evitá-la. A solução é procurar um profissional responsável, estudioso e que tenha uma visão ampliada dos problemas e da forma de tratá-los. Bons profissionais de psiquiatria tentam compreender as psicopatologias em toda a sua complexidade etiológica e o efeito do “estilo de vida” (seria melhor dizer contingências) sobre o comportamento e o sistema nervoso central.

Outro profissional que lida com psicopatologias é o psicólogo, mas este legalmente não administra remédios. Assim como existem maus psiquiatras existem péssimos psicólogos. O mau psiquiatra é aquele que atribui tudo a genética ou a causas misteriosas. O péssimo psicólogo é aquele que não entende nada de genética, biologia, neurociências e contingências de reforço e por isso fica se escondendo atrás de teorias abstratas que não servem para nada a não ser também aprisionar o paciente. O bom profissional de psicologia deve ser um estudioso das psicopatologias, mas nunca deve acreditar em surtos que surgem do nada ou problemas que são exclusivamente genéticos. Pois, por excelência, a formação do psicólogo contempla o processo interativo entre o organismo e o ambiente. Em outras palavras é obrigação do psicólogo estudar as psicopatologias não apenas a partir do ângulo genético, mas também a partir do aspecto sócio-cultural e da aprendizagem particular do indivíduo.

Como muito bem frisa Skinner (1953) em “Ciência e comportamento humano” devemos sempre analisar o comportamento das pessoas considerando três conjuntos de variáveis: 1) filogenéticos (genética familiar e história da espécie), 2) ontogenéticos (história de vida do indivíduo) e 3) sociogenéticos (cultura que o indivíduo se relaciona).

O profissional de psicologia trabalha com modificação de comportamentos. Para modificar comportamentos é necessário uma análise do indivíduo (repertórios comportamentais que possui) e da conjuntura (contingências que mantém os comportamentos) que o mesmo está envolvido. Entende-se que mesmo durante uma depressão, surto psicótico ou qualquer outro problema, este indivíduo passa a apresentar o comportamento patológico devido a sua aprendizagem, ao modelo de vida que foi submetido. Ou seja, o modo como interage com o ambiente. Contextos doentios produzem pessoas com comportamentos prejudiciais. É necessário então modificar certas contingências para modificar a maneira que as pessoas estão envolvidas com seus ambientes existenciais.

A pergunta que mobilizou a construção deste texto pode ser retomada agora para ser trabalhada de modo mais consistente: para uma psicopatologia é melhor uma conversa ou a medicação?

Uma pessoa com depressão, ao longo de sua vida, foi passando por circunstâncias em que apresentar certos comportamentos que fariam a composição da patologia, era a resposta mais viável. Assim, por conta das circunstâncias/contingências, essa pessoa organizou seu modo de pensar (circuitos neurais) de forma que a química do sistema nervoso é alterada e impossibilita a reação a determinadas situações. Esta pessoa, então, frequentemente se sentirá sem energias ou motivação. Quando esta pessoa toma medicação a bioquímica que gera motivação e sensação de energia é restaurada ao organismo e ela passa a não se sentir mais depressiva. Porém, a medicação tem efeito por tempo determinado. Uma vez que o efeito da medicação passe ela novamente precisará tomar novas doses da droga. O que está impedindo seu organismo de se auto-regular é a forma que se organizou ao longo do tempo, e não a falta de medicação. Todavia, é mais fácil passar o resto da vida se medicando ao invés de mudar a forma que se organiza e interage com o ambiente.

Uma conversa muda a bioquímica do cérebro? Não! Uma conversa pode apresentar indicativos de mudanças que o sujeito precisa fazer no seu dia-a-dia (na forma que interage com o ambiente), assim, uma vez que se siga as recomendações, os circuitos entre os neurônios são alterados e a bioquímica também. Todavia, este processo demanda muito esforço e é bastante lento. Por essa razão as pessoas tendem a dar mais crédito à intervenção psiquiátrica com medicações (que rapidamente retira sensações desagradáveis), do que às recomendações de mudanças de vida que um psicólogo propõe (visto que os efeitos só serão notados com algum tempo).

Na realidade, quando no parágrafo acima afirmei que uma conversa não muda a bioquímica cerebral, isto não é completamente verdade. Por exemplo, uma pessoa que seu sistema serotonérgico está alterado, tenderá a apresentar grande grau de ansiedade. A ansiedade é uma espécie de medo paralisante. Porém, a depender de como este medo está organizado, uma excitação pode aumentar os níveis de dopamina e daí o sujeito apresentará certa agitação e euforia. Esta excitação pode ser acionada por uma conversa que provoque lembranças de vitórias passadas, superação, etc. Entretanto, este processo é muito semelhante ao que os livros de auto-ajuda fazem e também parecido com o que a medicação faz: garante apenas uma mudança temporária. Por esse motivo disse acima que uma conversa por si só não muda a bioquímica, mas a conversa pode apresentar formas de modificação do comportamento que irão provocar crescimento dendrítico. Crescimento dendrítico é o crescimento que ocorre entre as terminações dos neurônios toda vez que aprendemos. Novas aprendizagens levam a novas formas de funcionar do cérebro, inclusive com novos arranjos neuroquímicos

Uma pessoa com depressão quase sempre fica esperando uma motivação ou uma energia para começar a fazer as coisas ou retomar sua vida. Porém, o cérebro embora não seja um músculo, funciona semelhante a um. Quando uma pessoa fica esperando seus músculos ficarem fortes para poder pegar o peso, ela atrofiará cada vez mais. Na verdade, os músculos só se desenvolvem se ela pegar o peso primeiro. Ela precisa começar a pegar o peso e daí perceberá que seus músculos começam a se adaptar desenvolvendo mais força. A mesma coisa acontece com o cérebro. Uma vez que a pessoa começa a modificar seu universo de relações, começa a desenvolver novas atividades, começa a fazer coisas saudáveis (mesmo que não tenha motivação num primeiro momento), seu cérebro também começará a produzir uma outra bioquímica como resultado destas alterações.

Um psicólogo, embora não se utilize de medicação, é um profissional capacitado para auxiliar o paciente a gerar mudanças no estilo de vida que o farão encarar a realidade com muito mais saúde. Enquanto escrevo sobre este tema, lembro da história de uma jovem que passou por momentos muito difíceis depois da morte do esposo que ela amava muito. Evidentemente, a morte do esposo apenas foi o gatilho para acionar um sistema montado antes, provavelmente desde a sua infância. Porém com a morte o problema se pronunciou, a vida havia perdido o sentido para ela e o período de luto já havia ultrapassado, mas ela continuava sem forças para continuar a batalha da vida. Depois de algum tempo trabalhando algumas modificações do comportamento ela me enviou uma carta a qual reproduzo aqui quase que por completa, com as devidas autorizações da autora:

Resolvi escrever (...) porque houve um tempo em que te procurei algumas vezes para te pedir orientações e conselhos e até desabafar contigo, muitas das angústias e tristezas que me perturbavam...

Chegou o momento de levantar a cabeça e te agradecer, pela força, pelas palavras, por ter sido tão atencioso e por me mostrar (...) que não vale a pena sonhar demais, nem idealizar uma vida sem sofrimento... Aprendi que a vida deve ser bem aproveitada, com objetivos e planejamentos para se alcançar metas. Aprendi que ao invés de passar a vida inteira chorando o leite que derramou, perceber o café que ainda tem a mesa e principalmente as pessoas que ainda desejam estar comigo, é mais saudável...

Percebi tantas coisas a partir do seu exemplo de vida e, mais do que com suas palavras, aprendi também com suas ações. Percebi que ser "fraquinha", lamentar bastante e sofrer demasiadamente não me levava a nada.

Lembro (...), quando participei de um evento, e naquela ocasião você me falou que eu arrumasse uma razão para viver, um objetivo. Que trabalhasse para que isso se concretizasse, adotasse uma causa social, algo que me motivasse a viver e fazer o melhor que pudesse, que minha passagem por esta vida e por aqueles que convivo não fosse em vão... Tais palavras me ajudaram muuuuito.

Em outro momento, que me angustiava tanto, você me ajudou a não depender de medicação alguma para me livrar de um sofrimento que é natural, e que aos poucos a vida vai ensinando como lidar com as perdas. Aquele foi um momento crucial em minha vida, pois você acreditou que eu poderia e eu consegui.

Houve outros momentos, que você foi mais realista e me fez perceber a minha real condição, tais momentos me chocaram um pouco, mas me balançou na perspectiva de compreender como lidar com a minha realidade e como me ajudar, percebendo que era necessário se posicionar diante da vida de forma corajosa.

Não digo que não sofro mais, sofro bastante ainda. Mas, ampliei meu olhar, pois vou sofrer apenas o suficiente, quando este for inevitável. Hoje, tenho outros planos e projetos de vida que me dão e me darão ainda muito prazer.

Nunca esquecerei o tempo que você reservou pra mim, pois sei o quanto você o aproveita bem. Meu sincero agradecimento e te desejo uma vida de muitas realizações, pois com as posturas que adotas, consequentemente terás isso que te desejo. OBRIGADO POR TER CONTRIBUÍDO COM ESSE PROCESSO DE AMADURECIMENTO!

A depressão e qualquer outro problema psicológico é cíclico quando não se trabalha para modificar padrões de comportamentos. Evidentemente que muito ainda se pode falar sobre um tema como este. Muitos detalhes ainda podem ser explicados e trabalhados, mas o exposto até o momento é suficiente para entendermos que as psicopatologias são semelhantes a uma hipertensão, uma tendência a colesterol alto, etc. Não adianta apenas administrar medicação. É necessário trabalhar exaustivamente para modificação das contingências comportamentais e com isso possibilitar novas formas de interação com o ambiente. Assim como numa taxa de colesterol alterada é muito mais eficiente uma modificação completa do comportamento (prática regular de exercícios físicos, mudança no comportamento alimentício) do que o uso exclusivo de medicação, algo semelhante ocorre com psicopatologias. Você até pode ser vulnerável geneticamente a desenvolver uma depressão, esquizofrenia, hipertensão ou diabetes, mas no final, será sempre o seu estilo de vida que definirá se estes males lhe atormentarão.

Conversa ou medicação, o que é melhor para o tratamento de psicopatologias? Nenhuma coisa nem outra! A única coisa realmente eficiente é a mudança de comportamento. Porém, para mudar o comportamento muito trabalho é necessário.

Assim eu analiso, assim eu conto para vocês.

Referências Bibliográficas:
SKINNER, B.F. Ciência e Comportamento Humano. 10ª Edição, São Paulo: Martins Fontes, 1953/1998.

Para Entender Mais:
TOURINHO, E.Z.; TEIXEIRA, E.R.; MACIEL, J.M. Fronteiras entre Análise do Comportamento e Fisiologia: Skinner e a Temática dos Eventos Privados In: Psicologia: Reflexão e Crítica, 2000, 13(3), pp.425-434
 

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