Depressão: Como Lidar?

11/08/2012 17:15 - Psicologia - Gerson Alves
Por Gérson Alves da Silva Júnior
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A depressão é um transtorno em evidência. Se você não tem ou não teve, certamente conhece alguém ou tem pessoas na família que padecem deste mal. O objetivo deste texto é passar algumas informações importantes de base confiável para possibilitar que os leitores possam lidar melhor com este problema.

Muitas pesquisas foram feitas sobre a depressão, mas apenas a partir da década de 60 do Séc. XX ela passou a ser entendida de modo funcional pela Análise do Comportamento. As primeiras publicações sobre o tema foram feitas por Seligman (1967) e o fenômeno recebeu o nome técnico de Desamparo Aprendido.

Seligman juntamente com Overmier e Maier realizaram um estudo que inicialmente não se relacionava com a depressão, mas depois perceberam que lançava luz sobre este processo. O experimento que Seligman e seus colaboradores faziam, visava ensinar um grupo de cães a fugir de um choque (estímulo aversivo) pulando uma cerca. Para isso, eles colocavam os cães em um ambiente em que pular um gradeado iria automaticamente desligar o choque que estes cães recebiam.

Porém, ocorria um problema no experimento. Alguns cães quando começavam a receber o choque, no lugar de pular a grade simplesmente deitavam e emitiam grunhidos (não apresentavam outra resposta). Esse grupo de cães parecia aceitar os choques. Eles se comportavam como se desistissem de lutar. Como se não tivessem forças para mudar a condição ruim em que se encontravam. Eles se comportavam exatamente como uma pessoa com depressão que tende a paralisar diante de obstáculos. Ou melhor, eles simplesmente se comportavam como se não estivesse ao alcance deles fazer alguma coisa para livrar-se daquele desconforto. Bastava pular a grade, que era uma operação muito simples para um cão, mas eles simplesmente deitavam e ficavam no desconforto até o choque ser desligado por uma pessoa.

Entender porque alguns cães simplesmente ficavam paralisados diante dos desconfortos do choque enquanto outros tomavam uma atitude e pulavam a grade, passou a ser o ponto chave da pesquisa de Seligman. Ele sabia que descobrir isto seria a chave para entender a depressão e outras situações de paralisia humana em que simplesmente as pessoas ficam esperando que alguém desligue o choque por elas.

Esse estado de paralisia pode ser visto em outros contextos e não custa nada imaginarmos se as conclusões de Seligman se aplicam também a essas situações. Constantemente vemos reclamações de que a sociedade em que estamos envolvidos não se mobiliza e não muda determinadas situações que são prejudiciais. Como se uma sociedade inteira preferisse deitar e ficar emitindo grunhidos enquanto leva choque. Quase sempre caímos no erro de culpar a própria sociedade por sua postura frente aos problemas. Historiadores e sociólogos certamente discordarão desta postura de culpar a própria sociedade, mas suas análises macro-estruturais, embora contribuam bastante com uma visão crítica, nem sempre possibilitam o entendimento do que ocorre com cada um de nós que compomos e somos compostos por um sistema social complexo. Será que as respostas encontradas por Seligman na área da Psicologia poderiam ajudar historiadores e outros estudiosos das Ciências Sociais a entender esta espécie de depressão social que ocorre?

Seligman para encontrar a resposta de seu problema passou a estudar detalhadamente os cães que paralisavam. Ele descobriu que não havia nenhuma variante genética ou hereditária que determinava o problema de forma prioritária. Os cães eram controlados desde o seu nascimento e sua linhagem era bem conhecida. Porém, Seligman descobriu que todos os cães que paralisavam haviam sido submetidos, um dia antes, a um outro experimento. Neste outro experimento os cães ficavam presos numa gaiola e recebiam choques e independente do que eles fizessem os choques continuavam a ocorrer. Um choque é algo extremamente aversivo. Seligman estava descobrindo que se ele colocasse os cães numa condição aversiva em que eles não podiam fazer nada, lutar, fugir ou se esquivar, com o passar do tempo esses cães simplesmente deixavam de reagir. Mas, ele descobriu mais. Ele descobriu que mesmo depois, quando estes cães estavam numa situação em que agora eles podiam fazer alguma coisa, eles simplesmente paralisavam e continuavam sem nada fazer.

Uma pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) chamada Maria Helena Hunziker posteriormente, na década de 90 do Séc XX, aprofundou a pesquisa de Seligman e aplicou a mesma em humanos. Os resultados foram os mesmos daqueles obtidos por Seligman décadas antes com animais. Ou seja, os indivíduos que antes eram submetidos a situações aversivas em que eles não tinham controle (independente do que fizessem continuavam recebendo uma consequência aversiva) quando estavam em outro contexto em que podiam modificar alguma coisa, simplesmente tendiam a não mais reagir e ficavam em estado de paralisia como regularmente ficam os depressivos. Este processo recebeu o nome já supra-referido neste texto de Desamparo Aprendido.

Na Clínica Escola de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas, da Unidade de Palmeira dos Índios, formandos do Curso de Psicologia atendem a comunidade circunvizinha gratuitamente. Um percentual significativo dos atendidos apresenta comportamentos (sintomatologia) que os encaixam no quadro de depressão. Muitos dos atendidos chegam, por meio de encaminhamentos das unidades de saúde públicas, com diagnósticos de depressão formulados por psiquiatras. As análises dos casos atendidos por acadêmicos com supervisão em Análise do Comportamento indicam claramente que todos os pacientes com diagnóstico de depressão apresentam um esquema exatamente idêntico ao pesquisado por Seligman (1975) e Hunziker (1997).

Os pacientes da Clínica Escola de Psicologia que foram analisados, sempre apresentam um histórico de vida em que passaram por algo muito sofrível (aversivo) onde nada poderia lhes servir de socorro (não havia possibilidade de fuga ou esquiva). Geralmente foram espancados, violentados sexualmente, perderam seus pais, sofreram com alguma enfermidade, etc. Em outras palavras, todos os analisados até o momento estiveram em condições em que não importava o que fizessem, eles não podiam modificar o desconforto que experimentavam. Eles não tinham o menor controle da situação e o único resultado certo seria sempre: o desconforto.

Em um caso, um paciente foi espancado constantemente quando garoto junto com sua mãe por seu pai. Não havia como fugir ou pedir socorro, visto que moravam numa região afastada e a fuga poderia resultar numa atitude ainda mais violenta do pai.

Em outro caso a morte dos provedores levou um sujeito a morar com parentes. Nesta nova residência até o direito a alimentação era algo penoso, deixando o sujeito sem ter a quem reclamar e sem proteção para fugir e encontrar amparo. Restava-lhe apenas a paralisia e emissão de “grunhidos”.

Estes indivíduos supracitados foram submetidos a essas situações aversivas ainda na infância ou adolescência, mas a tendência à paralisia e aparente conformidade ao desconforto, como se esperassem que alguém fizesse algo por eles (quando eles mesmos deveriam fazer), passava a acompanhar estes indivíduos a vida inteira. Mesmo quando depois estes indivíduos podiam fazer algo, eles simplesmente não faziam. Eles se tornaram depressivos.

Muito ainda podemos falar sobre estas situações de Desamparo Aprendido. Situações que levam a depressão pós-parto, por exemplo. Situações em que componentes da hereditariedade se somam ao contexto de aprendizagem do desamparo. Outras em que eventos na fase adulta detonam gatilhos que culminam na depressão. Porém, o exposto até o momento é suficiente para termos uma idéia do que precisamos para construir uma proposta funcional que ajude as pessoas que estão presas neste esquema de aprendizagem prejudicial.

O primeiro passo é uma análise consistente das contingências que levam o sujeito a apresentar o comportamento depressivo. Este comportamento depressivo foi instalado em outro momento da história remota do sujeito. Porém, os gatilhos que acionam os repertórios comportamentais estão presentes nas circunstâncias atuais que o indivíduo se relaciona. Precisamos então mapear este contexto, do mesmo modo que devemos mapear concomitantemente o padrão comportamental do indivíduo. Em seguida, devemos exercitar o sujeito para que ele seja capaz de fazer uma auto-análise de sua vida a luz destes experimentos que supracitamos (evidentemente que com o auxílio de um profissional do comportamento). O próximo passo após esta etapa é o treinamento de novos padrões de comportamentos analisando os Comportamentos Clinicamente Relevantes (CCR´s) que devem ser reduzidos em frequência (CCR´s 1) e os que devem aumentar em freqüência (CCR´s 2).

Um dos grandes impasses de todo o processo depressivo, mesmo durante o tratamento, é que se manter num estado de paralisia aguardando que alguém nos livre dos problemas (aversivos), é extremamente reforçador. Ou seja, em determinado momento da vida de uma pessoa torna-se mais econômico esperar pelos outros ou até ampliar comportamentos de paralisia e “grunhidos” do que se mobilizar para a ação. Tudo se torna mais fácil principalmente quando aparecem personagens que passam a fazer pelo outro o que eles deveriam fazer por si. Personagens que parecem heróis. Estes personagens garantem que os indivíduos depressivos permaneçam imóveis diante de situações desconfortáveis, pois junto com a tendência aprendida a achar que não adianta fazer nada, os heróis ainda corroboram com a impressão de que tudo se resolverá somente se outros desligarem o choque. Aprender que partir para a ação é a única forma de resgatar o ânimo perdido (por conta de uma construção histórica particular) é uma tarefa muito difícil, porém possível. Mesmo que o depressivo prefira paralisar diante de tudo que pareça difícil, o único caminho é a dificuldade da ação para romper com a paralisia que soa como reforço.

Disto podemos questionar se nós construímos uma nação de depressivos que joga poder demais nas mãos de usurpadores que nos aplicam choques como algozes. Devemos então entender que nenhuma nação, nenhum estado, nenhum município ou comunidade sairá da condição de Desamparo Aprendido enquanto os indivíduos que compõem e são compostos pela mesma não forem aprendendo a pular a grade e desligar o choque. Ninguém fará isso por nós. Devemos começar a deixar de esperar que outros desliguem o choque. É hora de partirmos para a ação. O problema é que ao longo de nossa história, nossos apelos e pulos foram feitos em gaiolas fechadas em que pouco se adiantou protestar, reclamar ou decidir sabiamente sobre nosso rumo. Hoje a gaiola está aberta, ou pelo menos podemos pensar em uma forma de abrí-la, por isso não podemos continuar paralisados acreditando que não dar para fazer mais nada.

Eu ajo para um mundo melhor e menos depressivo, e você?

Assim eu analisei, assim eu conto pra vocês.

Referências Bibliográficas

HUNZIKER, M.H.L. Um olhar crítico sobre o estudo do desamparo aprendido in: Estudos de Psicologia, 14, 17-26. 1997

SELIGMAN, M.E.P. Helplessness: on depression, development and death. San Francisco: Freeman. 1975

SELIGMAN, M.E.P; MAIER, S.F. Failure to escape traumatic shock. In: Journal of Experimental Psychology . 1967
 

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