Quem Olha a Vida dos Outros Esquece da Sua

30/07/2012 19:41 - Psicologia - Gerson Alves
Por Gérson Alves da Silva Jr.
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Certa vez encontrei Mestre Caveirinha completamente ébrio. Quando me viu ele falou: “Leve-me na casa do Dizinho!” Prontamente o atendi, pois vi ali a oportunidade de dar uma lição no Mestre. Ao longo do caminho tentei impressioná-lo dizendo que sempre o admirei e que desde a minha infância ele tinha sido um modelo de homem para mim. O mestre de forma muito educada escutava e como bom malandro aguardava o que estava por vir após os elogios. Então, como ele já aguardava, eu comecei a falar: Mestre embora tenhas sido um grande exemplo para mim, eu fico muito decepcionado e triste ao vê-lo desta forma, entregue a bebida!

Tranqüilamente o Mestre respondeu: “Olhe meu filho, um dia você será um mestre também. Antes de sua formatura me procure, pois eu vou lhe dar duas cartas: uma preta e outra branca. Você receberá as duas, mas lerá apenas uma enquanto a outra ficará guardada”. O Mestre então calou e nada mais falou. Fiquei o resto da noite mastigando dor por aquele pobre homem. Fiquei conversando comigo mesmo e dizendo: o coitado está tão prejudicado pela bebida que sequer consegue escapar de seus delírios e fica falando em cartas!

Fui para casa e muitos dias se passaram com aquela imagem de delírio do Mestre Caveirinha em minha cabeça. Mas, passei a recordar todas as coisas que eu havia aprendido com ele ou por influência dele na vida de outras pessoas. Lembrei do Mestre chegando em uma roda de capoeira dando vários saltos mortais e depois questionando as crianças ali presentes: “Quem de vocês quer aprender a dar um grande salto?” As crianças, das quais eu era uma, então respondiam aos gritos de forma eufórica: “EU, EU, EU...” O Mestre olhou todos de uma maneira bastante penetrante e disse: “Hoje eu vou ensinar o maior salto da vida de vocês, todos se preparem para aprender, pois este salto se aprende freqüentando a escola e se chama educação. Aprendam esse salto que vocês irão voar mais que o mestre”. Fiquei frustrado naquele momento, pois esperava outra coisa. Porém, isso me fez encarar os estudos de modo diferente. Hoje, anos depois vejo que de fato aquele foi o maior salto que ele poderia ensinar. Percebi então o quanto o Mestre era sábio visto que ele já havia dado à carta branca e a carta preta.

A carta branca e a carta preta são a própria história de vida dele. Tudo que nos ensinou. Coisas boas e coisas ruins. Violência e evitação da mesma. Fuga e ataque. Sobriedade e embriagues. Afirmação e negação da própria vida. Disciplina e irresponsabilidade. Assim é o Mestre Caveirinha e todas as coisas que ele fez na vida e da vida. Percebi então que as cartas estavam escritas, mas a leitura das mesmas eu faço todos os dias da minha vida. Ler estas cartas é por em prática o que aprendemos. E aprendi que nunca posso ler as duas ao mesmo tempo. Quando compreendi isso, pude entender a música que ele cantou:

“Menino quem ensinou? Ensinou para você?
O caminho mais seguro, pra você não se perder.
A estrada menos usada, pra você se orientar,
Pra você não se ferir, oh iaia para não se magoar.
Cada pedra do caminho, retirou para você.
Cada rosa, cada espinho, fez você reconhecer.
Ele só não lhe falou, eu sei, que não poderia errar.
Que seria um grande espelho, para você se mirar.
Meu pupilo escute bem, pra que mais ninguém te ensine.
Eu não tenho obrigação, nem preciso ser vitrine.
Yê viva meu mestre!”

Assim como Mestre Caveirinha quero ser “discípulo que aprende e mestre que dou lição”. Mas, não quero mais meter-me a dar lições nos caminhos que os outros escolhem para si. Quero apenas ler as minhas cartas e com a leitura das minhas escrever a carta para outros. Caberá a cada um ler a que melhor couber em sua vida. Afinal, eu também “não tenho obrigação e nem preciso ser vitrine”.

Assim eu aprendi, assim eu conto pra vocês. 

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