Como Mudar ou Manter Comportamentos (Parte 2)

25/05/2012 00:17 - Psicologia - Gerson Alves
Por Gérson Alves da Silva Jr.
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Na Parte 1 deste material eu tentei deixar claro como o comportamento que apresentamos é resultado de nossa história de vida. Mas, eu fui além do fato de simplesmente dizer que a história influencia as pessoas. Na verdade, eu procurei deixar claro que ao longo de nossa história nós construímos os nossos comportamentos sob leis específicas. A maior destas leis é o fato de nossos comportamentos aumentarem ou diminuírem a depender das consequências que estes geram. Esta lei se desdobrou em princípios menores como a especificação destas consequências. Por exemplo, vimos que se as consequências trazem resultados satisfatórios o comportamento tende a ser fortalecido e a aparecer novamente sempre que as circunstâncias forem semelhantes; porém, se as consequências forem aversivas elas tendem a reduzir a probabilidade deste comportamento aparecer em outro momento. Outro princípio que vimos no texto passado foi o de que as consequências imediatas possuem um poder sobre o comportamento muito maior que as consequências de longo prazo. Vimos ainda que o comportamento aumenta a sua probabilidade de aparecer sempre que uma situação se apresentar semelhante a uma outra situação anterior em que o sujeito foi reforçado por emitir aquele mesmo comportamento. Daí, eu finalizei argumentando que a reação que as pessoas apresentam a uma fotografia de duas mulheres malhando diz muito sobre a base filogenética, ontogenética e sociogenética. Chegou à hora de explicar o que significa esses palavrões e o porquê das reações das pessoas.

Skinner, assim como Darwin, percebeu que ao longo da história os seres vivos apresentam variações uns dos outros mesmo quando partem de um mesmo ancestral. Essas pequenas variações são simples, mas podem facilitar a sobrevivência de um organismo. Por exemplo, uma ave pode nascer com um bico mais fino que cabe em um buraco para pegar insetos e assim esse pássaro fica mais alimentado e apto para reproduzir e transmitir suas características para a próxima geração. As características que variam podem levar a um cérebro maior e mais potente que possibilite a lembrança de trilhas, a fabricação de armas, a maior eficiência nas caçadas e no cultivo de alimentos. Essas características são orgânicas, mas refletem diretamente na maneira que os seres irão interagir com o ambiente, ou seja, no comportamento. Esse impacto das variações orgânicas que se deram por meio de um longo processo evolutivo e alteram a maneira de agir do organismo se chama filogênese.

Muitos animais apresentaram variações em sua anatomia que os fazia se aglomerar (formar grupos). Em grupos esses animais conseguiram sobreviver melhor. Alguns então apresentaram modificações que facilitaram ainda mais a convivência e a sobrevivência por meio de uma associação com outros indivíduos da mesma espécie. Assim chegamos no ser-humano. Somos uma espécie pertencente à família dos primatas e uma das características gerais dos primatas é a vida em bandos. Desta forma, os juristas que se fundamentam na idéia de contrato social (Thomas Hobbes, John Locke e Rousseau) estão todos errados, pois o homem nunca foi um ser individual ou selvagem desprovido de aparato que possibilitasse a vida em sociedade para somente por meio da adesão a um contrato social poder fazer parte de uma comunidade. O homem antes de ser homem já era social, pois essa característica foi útil para a sobrevivência da espécie. A regulamentação, ou seja, o contrato social que um grupo humano (um bando) específico cria, não é o que define a vida em sociedade por si só. O contrato social é parte do que uma cultura possibilita. A cultura é tudo que um grupo/bando humano faz e o modo como faz para sobreviver e subsistir. A cultura é o que nós chamamos de sociogênese.

Para nós humanos a sociogênese tem um peso muito grande porque o nosso organismo evoluiu para sobreviver em grupo. Assim, ser expulso de um grupo, ser perseguido ou mal visto por um grupo representa para o nosso organismo poucas chances de sobrevivência. Por isso o nosso sistema nervoso central e o nosso organismo como um todo está programado para responder como um perigo equivalente à morte a rejeição por um grupo. Nosso aparato está programado para respondermos as exigências de um grupo. É por essa razão que as terapias de grupo muitas vezes são mais eficazes, pela mesma razão os sistemas religiosos conseguem modificar e controlar o comportamento das pessoas. Muitos estudiosos chegam mesmo a negar que o organismo tenha um molde que influencia a maneira que ele se relaciona com o ambiente que está, simplesmente para poder evidenciar melhor que para nós é muito importante a relação com a sociedade.

Porém mesmo diante de todo o peso da sociedade devemos ter claro que a vida em sociedade foi uma aquisição evolutiva que facilitou a sobrevivência. Esta vida em sociedade por mais poderosa que seja a sua influência sobre o comportamento dos indivíduos, não é capaz de anular outros dispositivos que também evoluíram para garantir a sobrevivência. Vejamos um exemplo, digamos que uma jovem pertencente a um modelo cultural de base monogâmica entre em contato com um homem seguro, inteligente, fisicamente saudável e atlético, financeiramente destacado e bastante conhecido no grupo social, digamos ainda que esta jovem não possui nenhum vínculo afetivo com nenhum outro homem que seja discriminado da mesma forma. O resultado deste contato é que o organismo da jovem irá perceber o homem como uma pessoa atraente e começara a acionar áreas ligadas ao processo reprodutivo. Porém, nessa estorinha o homem é casado. Ela então o evitará, mas o interessante é entender por que ela o evitará. Ela o evitará por conta do grupo social e de sua aprendizagem neste grupo. Ela temerá ser descoberta e ser afetada pelo grupo, ela temerá por conta das aprendizagens e dos modelos que viu no grupo. Tenderá a discriminar a situação de envolvimento em função/consequência de abandono, perseguição da esposa, etc. Porém se este homem dispor a situação de tal maneira que ela não seja descoberta pela comunidade ou que nenhuma destas consequências aversivas afete a jovem, teremos aumento significativo das chances de envolvimento desta jovem com este homem. Sabemos disto porque assim se comportam outros antropóides e assim se comportam mulheres de outras culturas em que não haverá consequências aversivas para quem se envolve com homens que já estão envolvidos com outras mulheres. Por essa razão tantos homens mentem sobre o fato de serem casados, por isso tantas mulheres se envolvem às escondidas com homens comprometidos. Vejam que o fator filogenético que disporá a fêmea para se envolver com machos que possuem certas características será o mesmo em várias culturas, mas a forma como elas irão reagir vai depender de suas aprendizagens particulares (ontogênese) e da cultura que estão envolvidas (sociogênese). Desta maneira podemos ter certo que embora um grupo/bando humano estabeleça a norma da monogamia para o comportamento das pessoas, fatores filogenéticos irão influenciar de tal maneira que muitas pessoas experimentarão conflitos e outras irão se comportar de modo diferente do que exige o grupo, mas tentando fugir das consequências aversivas deste.

A sociogênese não anula os fatores filogenéticos, ela apenas estabelece mais um conjunto de condições para o comportamento ocorrer. Quase sempre os fatores filogenéticos irão funcionar como operações estabelecedoras, mas não podemos reduzi-los a isso. Temos uma gama de comportamentos complexos que podemos situá-los a partir da base hereditária, visto que inúmeros repertórios filogenéticos são o que garantem a perpetuação de uma espécie sem necessariamente estabelecer relação com fatores sociogenéticos.

Deste modo fica melhor entender filogênese e sociogênese como variáveis que influenciam o comportamento, da mesma maneira que a ontogênese. A ontogênese é a forma particular que um organismo aprende a sobreviver no ambiente. Ele aprende porque é capaz de se modelar e sofrer modelação. Ou seja, todo organismo vai evitando consequências aversivas e construindo repertórios comportamentais para obter consequências satisfatórias no ambiente físico e cultural/social que está inserido e pode fazer isso também observando o comportamento de outros organismos. Esta forma particular que um sujeito aprende a responder ao contexto que ele está inserido e a própria aprendizagem chamamos de ontogênese.

Assim, podemos retomar a parte 1 deste texto quando finalizei dizendo que a forma que as pessoas reagiam à fotografia das jovens malhando dependia da base filogenética, ontogenética e sociogenética. A fotografia ilustra duas jovens suadas e posicionadas de forma semelhante ao posicionamento que pessoas adotam quando estão sob estimulação sexual. A expressão do rosto das mesmas também é uma expressão comumente adotada quando as pessoas estão sob estimulação sexual. Mas, se trata de duas mulheres e isso pode causar estranhamento ou mesmo nojo em algumas pessoas.

Podemos inferir a partir de inúmeros exemplos históricos que em períodos primitivos os homens aprisionavam quantidades enormes de mulheres privando-as de sexo, para que o sexo destas mulheres fosse exclusivamente com eles. Era fato que estas mulheres privadas de sexo se estimulassem em função do prazer. Os homens procuravam evitar que estas mulheres entrassem em contato com outros homens, mas não com outras mulheres. Outros homens representavam o risco de ter suas mulheres fecundadas, mas outras mulheres não representavam risco. Isto deve ter tido algum peso filogenético, pois, é mais provável encontrarmos mulheres com disposição para ter curiosidade sobre outras mulheres, do que encontrarmos homens com disposição sobre outros homens, embora não excluamos o peso sociogenético do processo. Do mesmo modo teremos mais facilidade para encontrarmos mais facilmente homens excitados por verem duas mulheres juntas de modo erótico e raramente encontraremos mulheres que se excitam com homens que trocam carícias entre si. A base filogenética parece então determinar alguma diferença no comportamento sexual de homens e mulheres, mesmo que inúmeras culturas hoje procurem reforçar a igualdade.

Todavia, a sociedade que estamos inseridos apresenta ainda estímulos aversivos para qualquer pessoa que apresente repertório comportamental homossexual, seja ele masculino ou feminino. Assim, homens e mulheres que possam ter acionado alguma disposição orgânica sexual devido à fotografia, poderá ao mesmo tempo estabelecer uma relação de conflito por conta de suas aprendizagens específicas (ontogênese), resultantes de aversivos e reforçadores sociais (sociogenêse) contrastando com os fatores filogenéticos.
Num linguajar mais simples, a curiosidade despertada pela fotografia repousa em fatores filogenéticos, enquanto a esquiva ou mesmo a fuga de excitações que possam ocorrer devido a estímulos discriminativos desta ordem é parte do processo de aprendizagem dentro de um contexto social específico. Porém, não sejamos muito radicais em atribuir todo tipo de interesse sexual a fatores filogenéticos, pois a aprendizagem também tem um peso significativo sobre este aspecto. Mas isso é assunto para outro texto.

Assim eu estudei, assim eu conto para vocês.

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