“Dois meses sem a presença física do meu Tiago”

06/05/2012 15:45 - Prof. José Queiroz
Por Redação

COMPARTILHO COM VOCES ESTA CARTA DA AMIGA ZEZE QUE É UMA GRANDE LUTADORA POR JUSTIÇA NESTE PAÍS. ELA É COORDENADORA DO MMTR /NE- MOVIMENTO DE MULHERES TRABALHADORAS RURAIS DO NORDESTE.
 

Queridas amigas e queridos amigos, hoje faz dois meses que meu amado filho Tiago Tierra partiu, estar tão difícil que as vezes tenho medo de entregar os pontos, parece que o passar do tempo trás ainda mais dor.

Ao Senhor Governado de Alagoas Teotônio Vilela
E ao Senhor Prefeito de Maceió Cícero Almeida

Senhores,
Destino esta carta não a “salvadores da pátria” e sim a homens que em campanhas eleitorais se comprometeram em melhorar as condições das políticas públicas no estado de Alagoas e na cidade de Maceió, sobretudo no tocante às questões da segurança pública e da educação.

Sou Maria José da Silva, mais conhecida como Zezé, tenho 45 anos e hoje completa dois meses que meu filho Tiago Tierra foi assassinado num duplo homicídio na Praça Padre Cícero, no Benedito Bentes. E estou escrevendo esta carta não só em memória do meu amado filho, mas também em respeito a mim mesma e às mães que, assim como eu, vivem a grande dor de conviverem com a ausência física dos seus filhos e suas filhas que tiveram suas vidas ceifadas pela violência nesta capital e nos demais municípios do nosso estado. Porém, acima de tudo, escrevo esta carta em nome de todas as mães que pedem a Deus todos os dias para não estarem no meu lugar.

Em nome da minha dor, tenho que ser sincera em dizer que em suas gestões a violência aumentou assustadoramente e isto é visível, real e cruel, onde as maiores vítimas estão sendo os jovens, principalmente os das classes menos favorecidas. Quando me refiro às vítimas, não estou pensando só naqueles que morrem ou são feridos, também me refiro aos que ferem e matam.

Não posso dizer que as drogas são a causa dessa violência, pois, na realidade as drogas são a consequência da causa maior que é a falta de investimentos concretos nas políticas públicas, principalmente na educação.

Quando falo em investimentos, não estou falando apenas em equipamentos, falo também da valorização dos/as trabalhadores e trabalhadoras que precisam de salários justos, de condições dignas para exercerem a profissão e de formação continuada. Falo ainda de revisão de metodologias de ensino para que este seja de qualidade.

Lembro-lhes que a educação integral na escola é fundamental para distanciar crianças e jovens das garras do crime organizado. Mas, como falar de educação em tempo integral nas escolas se existem escolas que sequer iniciaram seu ano eletivo, como é o caso da Escola Estadual Correia das Neves?

A justificativa é uma reforma interminável que foi visitada por alguns/as alunos/as e a cena vista por eles/as foi a de operários assistindo “o vídeo show” na hora que deveriam estar trabalhando.

Isto é apenas um caso que mostra que a educação não vai tão bem no nosso estado. Estou enfatizando isto porque estou muito preocupada com a situação da juventude alagoana, pois devemos nos perguntar: “Quando essas crianças e esses/as jovens não estão na escola ou participando de ações esportivas, recreativas ou culturais, o que estão fazendo?”

A criança ou o/a jovem pobre (mesmo sendo assistida pela família) que não é assistida pelo poder público, as vezes, é assistida pelo crime organizado e aprende a ser traficante e/ou assassino. Talvez este seja o caso do (s) assassino (s) do meu filho.

Não quero com isto dizer que ele ou eles não tenha (m) culpa no crime, pois nada justifica um assassinato e sei muito bem que falta de investimento em políticas públicas + impunidade = a genocídio. E aqui em Maceió e em Alagoas estar acontecendo um verdadeiro genocídio juvenil.

Já faz dois meses e até agora não sei quem matou meu filho (só ouvi falar que os assassinos eram jovens) e o que estar sendo feito para que esse duplo homicídio não fique na impunidade como em tantos outros casos que acontecem no nosso estado? Acho até que Alagoas deveria se chamar “Terra da Impunidade”.

Na hora em que meu filho e o outro rapaz foram assinados deveria ter uma guarnição na área, contudo, essa guarnição já havia se retirado, talvez se ainda estivesse lá o duplo homicídio não teria ocorrido... Ou talvez não teria acontecido se se investisse menos em propagandas e mais em politicas publicas para a juventude.

O que quero dizer é que se faz necessário mais vontade política para garantir melhores condições de vida para a população de Maceió e de Alagoas, porque a violência é efeito e não causa. E se é efeito é preciso acabar com a causa. Porque a falta de segurança pública é um câncer que se alojou nesta capital e neste estado e que estar causando metástases na juventude e, como consequência, corações de mães se transformam em feridas expostas e incuráveis.

Deixei de mencionar os dados que mostram os piores índices em que se encontram nossa cidade e nosso estado no tocante ao Índice de Desenvolvimento Humano, à Violência e à Educação porque isto é público e notório. Todavia, lamento não serem públicas e notórias ações concretas e eficazes para reverterem esses dados.

Esta carta é um grito de dor que ecoa em meu peito e que, em vez de se transformar em ódio e desejo de vingança, se fez necessidade de transformação. Pois, só Deus é capaz de saber o tamanho dessa dor que se alojou no meu coração e que se chama saudade. E só ele tem me dado a força para continuar vivendo num momento em que viver se transformou em um fardo para mim.

Espero que esta carta seja respondida, não com palavras que cheguem até meus olhos ou meus ouvidos, mas com atitudes e ações que cheguem até às periferias de Maceió e de outras cidades do estado e às áreas rurais de Alagoas.
Muito atenciosamente,

Maria José da Silva

OBS.: Esta carta também foi enviada à população alagoana.

Maceió – AL, 23 de abril de 2012

 

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