Reprimir Sentimentos Faz Mal?

09/04/2012 18:53 - Psicologia - Gerson Alves
Por Gérson Alves da Silva Jr.
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O artigo intitulado: “Quem tira as formigas de cima de você” gerou muitos comentários. Nele narrei como procedi com meu filho Arõatan que chorava depois de ser atacado por formigas. Recebi inúmeras mensagens, algumas apresentavam elogios, outras me criticavam de modo grosseiro. Mas, entre todas as mensagens a que mais me chamou a atenção foi a de uma grande amiga psicóloga que estava cuidando de sua primeira filhinha (contando apenas com poucos meses de nascida). Ela elogiou bastante o texto e disse que gostaria de ter a mesma habilidade para educar sua filha, porém se questionava se quando eu proibi o Arõatan de chorar eu também não estava reprimindo os seus sentimentos. Até a elaboração deste texto eu não a respondi, pois vi que poderia produzir um material exclusivamente sobre isso e assim a devolutiva seria mais bem elaborada.

O que são os sentimentos para serem reprimidos? Será que é verdade que os sentimentos podem ser reprimidos? Vamos tentar entender o que são os sentimentos.

No passado os gregos e muitos outros povos acreditavam que cada sentimento era resultado de uma entidade que nos invadia. Por exemplo, comportamentos sexuais eram resultado de estados corporais que se associavam a Eros (deus grego do amor sexual).

Assim como os gregos muitos outros povos entendiam que se uma pessoa era movida por sentimentos bons, ela estava sendo possuída por espíritos de origem divina positiva. Mas, se uma pessoa agia com sentimentos de raiva, ódio, inveja, ciúmes, etc. acreditava-se que alguma entidade maligna a possuía. Com o avanço de algumas concepções religiosas como o Zoroastrismo, Judaísmo e Cristianismo começaram a minimizar em alguns momentos da história a idéia de possessão e passaram a estimular a proposta de que esses espíritos podem influenciar, considerando-se um ponto de escolha do homem para ser influenciado por forças antagônicas: malignas ou benignas. Tais espíritos malignos ou benignos assediariam o homem para um dos lados enquanto caberia a ele a decisão.

A ciência avançou e a reflexão filosófica começou a desconfiar que os sentimentos não podiam ser os espíritos invadindo o organismo humano, pois se o homem se sentia compelido a agir com fúria ou ódio ele não estaria escolhendo livremente a adesão ao mal. O sentimento de fúria estaria dentro dele antes dele fazer a escolha entre o bem e o mal. Os próprios religiosos então sentiram a necessidade de reformular o sistema e começaram a falar mais enfaticamente de influência de espíritos para acionar sentimentos que já existiriam no interior do homem. Esse sistema nunca foi muito bem detalhado ou discutido e acabou se tornando uma confusão. Muitos religiosos ainda hoje quando perguntados sobre os sentimentos de bondade que experimentam em seu interior não sabem explicar o que ocorre a partir de seus sistemas. Eles não sabem se é Deus que está dentro deles e lhes causa essas sensações pela presença, ou se é Deus que simplesmente aciona esses sentimentos que seriam da natureza deles. Porém, para nós a reflexão e a análise de dados é importante.

Para os cientistas sentimentos são estados corporais específicos que o organismo aciona frente a certas situações. O sistema nervoso reconheceria alguns estímulos capitados pelos órgãos sensoriais e em seguida passaria a ativar áreas específicas por meio de neurotransmissores e neuropeptídeos que atuariam através de sistema complexo acionando órgãos com hormônios. O resultado seria as reações que vemos as pessoas apresentarem. Porém essa explicação nada tem haver com entes sobrenaturais. Para os fisiologistas, neurocientistas e a maioria dos psicólogos, as reações emocionais e os nossos sentimentos seriam respostas do organismo aos estímulos ambientais. O amor não é mais uma benção divina e o ódio também não é mais uma influência maligna.

As primeiras tentativas de explicações psicológicas sem recorrer a eventos sobrenaturais foram da Psicanálise. Sigmund Freud (1856-1939), defendia que o ser humano é movido por uma energia básica e fundamental (que ele chamou de libido), mas que se manifestaria de modo ambivalente como Pulsão de Vida (Eros) e Pulsão de Morte (Tanatus). Essa energia não poderia sair para atingir sua finalidade sem alterações, pois comprometeria a vida social, daí o Ego transformaria esta energia (sublima) em atividades produtivas e comportamentos socialmente aceitos. A manifestação geral desta energia recebe o nome de Sexualidade. Para a Psicanálise sentimentos de carinho e afeto embotam desejos sexuais que por serem impedidos de se manifestar como tais, devido às regras sociais internalizadas (Superego), acabam se transformando em sentimentos e comportamentos moralmente aceitos. Do mesmo modo, comportamentos competitivos e disputas, juntamente com todos os sentimentos envolvidos nestas atitudes, esconderiam desejos agressivos e destrutivos que são características da Pulsão de Morte. Para esse sistema seria prejudicial reprimir sentimentos ou qualquer outro desejo, pois eles precisariam ser transformados, mas nunca reprimidos. A idéia de Freud é que se ficarmos reprimindo demais os nossos sentimentos isso funcionará semelhante a uma panela de pressão que não deixa escapar o vapor e por isso em determinado momento estoura no formato de um transtorno.

Muita gente e muitos psicólogos ainda adotam essa postura e entendimento da realidade. Acreditam eles que prender o choro, impedir um grito ou um impulso agressivo, pode fazer com que essa energia negativa retorne de algum modo e acabe prejudicando o sujeito.

Esse sistema psicanalítico é lógico e racional, mas carente de comprovações científicas. Apenas com B. F. Skinner (1904-1990) é que a Psicologia constrói um sistema capaz de estudar os sentimentos de modo mais científico. Para Skinner um comportamento é um conjunto de reações do organismo que são influenciadas pelo que acontece antes e o que acontece depois das reações. Assim, Skinner entendia que um sentimento também é um comportamento, mas privativo ao sujeito que o sente, visto que outras pessoas não são capazes de observar as mudanças e reações que ocorrem dentro do organismo do sujeito que experimentaria o sentimento.

Skinner está apresentando os sentimentos não mais como coisas em si, pois eles na verdade são uma série de operações que o organismo realiza para preparar o mesmo para uma ação. Skinner, e hoje toda a neurociências, defende que os sentimentos não são resultado de uma energia. Ele explica que quando um organismo se depara, por exemplo, com uma situação de ameaça, o sistema nervoso central começa a enviar uma série de mensagens para partes diferentes do organismo, assim reações começam a acontecer internamente em órgãos distintos, algumas destas reações são sentidas e processadas pelo próprio organismo indicando um estado de alerta e preparação que a pessoa experimenta dizendo que sente medo. O medo não seria então uma possessão pelo deus Phobos, como acreditavam os gregos. Também não seria uma energia destrutiva que se direciona para sair e não encontra vazão. O medo seria um conjunto de reações orgânicas, algumas das quais o sujeito discriminaria e outras que ocorreriam sem que o próprio sujeito tenha consciência.

Do mesmo modo o amor e qualquer outro sentimento humano. Eles não seriam resultado de deuses ou impulsos que estariam movimentando o interior humano. O amor seria um conjunto de reações complexas frente a um conjunto de estímulos. Os gregos falavam de tipos diferentes de amor e indicavam entidades diferentes para acioná-los. A proposta científica da psicologia passou a falar de conjunto de reações fisiológicas que ocorreria de modo diversificado e por isso podemos dizer que numa pessoa é possível um conjunto de reações ser acionado diferente do que é disparado em outra. Por exemplo, no Nordeste brasileiro quando uma pessoa reage com medo a ponto de defecar (uma das reações que podem ocorrer) popularmente se fala: “cagou-se de medo”. Esta frase popular passa a idéia de que o medo faz a pessoa defecar. Mas, na verdade, o medo é um conjunto de reações iniciado, após a captação sensorial, nas amigdalas cerebrais que, depois de percorrer outras áreas do sistema límbico, provocam a hipófise que por sua vez promoverá liberação nas glândulas supra-renais de adrenalina. A adrenalina cai na corrente sanguínea e gera taquicardia (batimento cardíaco acelerado), aumento da pressão arterial, das freqüências cardíaca e respiratória, aumento da secreção do suor, da glicose sangüínea, da atividade mental e vasoconstrição periférica (constrição dos vasos sangüíneos da pele). O sangue passa a circular no interior do organismo e acelera-se o peristaltismo do sistema gastro-intestinal que provoca a possibilidade do sujeito defecar. Porém, observe que, defecar é uma das muitas reações que ocorrem no organismo como resultado da atuação de determinados hormônios neste. Assim, as pessoas não defecam porque estão com medo, mas defecar é uma das reações que o organismo pode ou não apresentar, juntamente com outras quando envolvido em certas circunstâncias. O medo não é coisa em si, mas é esse conjunto de reações diversificadas que pode vir ou não com mais uma reação como a de defecar.

Neste mesmo sentido as pessoas não choram porque estão tristes. Chorar é uma das muitas reações possíveis que o organismo apresenta sob circunstâncias específicas e as pessoas costumam chamar esse conjunto de reações de tristeza. Isto é tão verdadeiro que as pessoas podem ficar tristes e não chorar e também podem apresentar a reação de choro quando não estão tristes (sem apresentar outras reações que juntas o indivíduo discrimina como tristeza).

Da mesma maneira que somos capazes de observar as pessoas se comportando, somos capazes de observar nosso próprio comportamento. Deste modo, certos estados fisiológicos internos podem ser observados pelo próprio organismo e as pessoas aprendem a nomear essas reações pelos eventos públicos que acompanham esses estados fisiológicos internos. Assim, se uma criança cair e seu joelho ficar arranhado, quando as pessoas de sua comunidade falam que aquele joelho doi, elas não estão tendo acesso ao estado interno do indivíduo, mas apenas ao arranhão que é público. Em outro momento a criança cai e bate a cabeça com força, faz um grande barulho, mas não arranha. As pessoas que assistem ao processo falam novamente que doi, baseadas no impacto e no barulho. A criança por sua vez começa a discriminar que a palavra dor está aparecendo sempre que um determinado estado fisiológico interno está ocorrendo, mesmo quando o que ocorre externamente é diferente. Do mesmo modo as pessoas aprendem a nomear uma série de outras reações do organismo baseadas no que a comunidade percebe publicamente. É por essa razão que existe dificuldade em se falar de sentimentos, pois as pessoas não aprendem a nomear exatamente o que ocorre internamente nas diferentes reações fisiológicas que apresentam, elas discriminam apenas aquilo que aprendem por meio da comunidade verbal.

Não dar para falar de tristeza efetivamente como ocorre em termos de reações fisiológicas, as pessoas irão falar apenas conforme são capazes de discriminar as reações internas do seu organismo frente a um evento específico. Deste modo, podemos entender que as pessoas não falam “eu te amo” porque um sentimento impulsionou elas a fazerem isso. As pessoas falam “eu te amo” porque sentem determinadas reações fisiológicas diante de uma determinada pessoa, ou de algo que acione a lembrança cerebral desta pessoa (circuito neural) e aprenderam na comunidade verbal que esse conjunto de reações recebe o nome de amor. Por isso, apaixonados de primeira viagem muitas vezes confundem reações que o seu organismo apresenta diante de uma pessoa, com outros eventos fisiológicos. Estes apaixonados iniciantes não aprenderam a discriminar muito bem ainda o que ocorre com seus organismos. Portanto, a reação fisiológica é algo que ocorre, falar sobre essa reação é outra coisa que precisa de aprendizagem e como toda aprendizagem só aparecerá caso o sujeito receba consequências reforçadoras.

Uma pessoa pode apresentar determinados estados corporais internos frente à outra, mas sempre que apresentou comportamentos públicos para o sujeito-alvo recebeu como retorno consequências desagradáveis. Isso pode fazer com que as reações fisiológicas internas continuem a ocorrer (dependendo do arranjo contingencial) e essa pessoa simplesmente pare de falar sobre suas reações. Falar sobre as reações fisiológicas para outra pessoa, geralmente visa à consecução de uma determinada consequência. Quando diante de uma situação eu falo para uma pessoa que sinto medo, eu não estou simplesmente descrevendo meu conjunto de reações fisiológicas. Eu só falarei que tenho medo caso tenha aprendido que existe algum tipo de retorno satisfatório em apresentar este comportamento verbal. Isso é tão verdadeiro que as pessoas são capazes de manipular as outras apresentando comportamentos verbais que não estão correlacionados com suas reações fisiológicas. Por exemplo, um sujeito que não veja consequências reforçadoras em realizar uma atividade difícil pode preferir não realizá-la e diante da situação simplesmente pode alegar que não a faz por sentir medo.

Arõatan com três anos de idade bateu em sua irmã que tinha apenas um ano e destruiu acessórios de sua mãe. Sua mãe, então furiosa, chamou-o em voz grave e firme e disse-lhe: “VOCÊ MERECE UMA PISA ARÕATAN”. Ele começou a chorar e disse calmamente enquanto as lagrimas escorriam: “Mas eu te amo tanto mamãe! Amo muito você!” A mãe se retirou e foi chorar no quarto, retornou algum tempo depois e o abraçou fortemente dizendo que também o amava. Certamente as reações fisiológicas internas do Arõatan, naquele momento, não correspondiam ao que a comunidade verbal convencionou chamar de amor. Todavia, ele com apenas três anos já havia aprendido que apresentar o comportamento: “Eu te amo tanto!”, sob aquelas circunstâncias o afastaria de uma consequência desagradável.

Deste ponto em diante podemos agora analisar melhor se o que aconteceu com o Arõatan na proibição de seus gritos e choros pode trazer algum transtorno por conta da repressão de sentimentos. Primeiramente, como vimos, sentimentos não são energias que circulam em nosso interior e que precisam sair de qualquer jeito. Sentimentos são um conjunto de reações que podem vir ou não acompanhadas de algumas combinações comportamentais públicas. Por exemplo, diante de estímulos dolorosos a uma probabilidade filogenética grande das pessoas gritarem. O grito de dor é uma reação programada do organismo que ao longo da evolução garantiu que os organismos que se encontravam diante de estímulos dolorosos tivessem auxílio, e portanto mais chances de sobrevivência, que outros que não gritavam. O problema é que essa aquisição evolutiva de gritar, não será útil em todas as situações que o indivíduo se encontrar. Assim, pedir que uma pessoa ao invés de gritar adote outra postura, não irá bloquear sua energia ou reprimir seus sentimentos, pois não é assim que funciona. Poderá gerar outros efeitos colaterais. Mas, não haverá transtornos graves, principalmente se solicitarmos desta pessoa uma análise da situação para resolver seu problema de outro modo. Iremos, na verdade, desta forma construir uma situação favorável para que a pessoa apresente um comportamento diferente daquele que ela é programada filogeneticamente. Em outras palavras, estaremos desenvolvendo o repertório comportamental do sujeito.

Freqüentemente as pessoas se descontrolam e reagem agressivamente quando estão experimentando reações fisiológicas interna que a comunidade verbal nomeia de “raiva”. Mas, se dissermos que as pessoas podem simplesmente adotar estes comportamentos destrutivos, não estaremos promovendo a possibilidade das pessoas aprenderem a se comportar de modo diferente. Muitas pessoas destroem relacionamentos, se afastam de pessoas que poderiam ajudá-las, etc. simplesmente porque não aprendem a apresentar comportamentos adequados para atingir objetivos específicos. Amor e querer construir uma relação com outra pessoa é bem mais que um conjunto de reações fisiológicas internas. Por isso, aprender como Arõatan que nem sempre que dói precisamos sair gritando por aí, mas precisamos tomar atitudes que resolvam os nossos problemas, é algo que precisa ser exercitado desde os três anos. Do contrário, dores maiores que as do ataque das formigas enfrentaremos ao longo da vida.

Sentimentos não são reprimidos, pois eles não são energias. Mas as pessoas podem sofrer muito caso não façam um planejamento de vida e não aprendam a reagir de modo adequado a determinadas dores.

Assim eu estudei, assim eu conto para vocês.
 

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