O que é Esquizofrenia?

06/02/2012 02:19 - Psicologia - Gerson Alves
Por Gerson Alves da Silva Jr.
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A esquizofrenia é configurada como um transtorno que desloca o sujeito da realidade. Pessoas que escutam vozes, sentem toques ou vêem coisas são exemplos claros de esquizofrenia. É considerada um dos transtornos mais graves e a classe médica entende suas causas como resultante da genética. Ao pé da letra esquizofrenia significa ruptura com o ponto de ligação entre o físico e o mental/espiritual. Os gregos antigos entendiam-na como a construção de um mundo psíquico dissociado da realidade física/material.

Embora seja esquizofrênico imaginar que um sujeito rompe com a realidade sem causas externas, é o que a maior parte das pessoas e profissionais da saúde pensam. Por isso, vejamos melhor o que é esquizofrenia.

Para compreender esquizofrenia é necessário antes entender o que é pensamento. O pensamento é uma pré-ação. Na verdade, não é um processo separado das demais funções orgânicas. Quando uma pessoa entra em contato com o ambiente em que ela está inserida, essa pessoa é bombardeada por uma série de estímulos que acionam o sistema nervoso central deste sujeito. O sistema nervoso central reage disparando impulsos para áreas motoras que controlam a musculatura e ou áreas límbicas que controlam o sistema endócrino. Quando chega o bombardeio e quando saem os comandos do sistema nervoso central, podemos ter consciência ou não do processamento, dos nossos sentimentos ou dos nossos atos. Independente de termos consciência ou não, chamamos de pensamento esse processamento que o sistema nervoso faz antes de movimentarmos músculos ou dispararmos hormônios em nossa corrente sanguínea. Porém, podemos chamar também de pensamento o processamento que o sistema nervoso central executa enquanto outras funções já estão sendo acionadas. 

Assim sendo, pensar é estágio preparatório para emoções e ação no mundo, mas sem dissociação, mesmo quando esse pensamento não é consciente. Desta maneira, podemos entender que o pensamento nada mais é do que um estágio anterior à ação, o pensamento é parte de um todo e não uma realidade em si. O pensamento é como um comando de impressão que você dar ao seu computador e ele antes de imprimir aciona um programa de gerenciamento de impressão para que se prepare a impressora até que por fim saia o papel impresso. Caso haja desistência da impressão depois do comando enviado e antes do papel ser impresso (podemos desligar o cabo da impressora ou tentar apertar na opção cancela tanto do computador como no da impressora), teríamos apenas o pensamento do computador, mas não a ação de imprimir. O ponto chave aqui é que em nós apertamos direto na tecla cancela antes do papel ser impresso, em outras palavras, as pessoas, diferentemente dos computadores, compreendem erroneamente que esse estágio de preparação que o computador faz para a impressão, é um processo que não faz parte da ação. Assim muita gente pensa e não age. Ou o que é pior, compreendem o pensamento como uma realidade em si e não como o estágio preparatório e prévio da ação.

Por essa razão, a dúvida só é possível no plano da preparação prévia, ou seja, do pensar. Na ação não existe duvida, ou você faz ou simplesmente não faz. O desfecho do pensar é o agir, duvidar na ação não é possível e estancar no pensar sem nunca agir é semelhante a uma semente que nunca germina ou a uma criança que morre na gestação.

O pensamento sem ação é o mesmo que um aborto. Mas, este último plano nos trás uma reflexão mais profunda: por que tanta gente pensa, pensa e não age? Ou por que tanta gente age baseada em distorções completas da realidade geradas por seus “pensamentos”? A resposta para essas duas perguntas acima nos responderá claramente o que é esquizofrenia.

Pensar e não agir é muito mais econômico, menos desgastante, menos arriscado e menos dispendioso que pensar e agir. Ter um aborto sai mais barato que criar o filho até a fase adulta. Por isso pessoas que não foram educadas para o embate, para a ação, para a realização, preferirão sempre o plano da imaginação, dos videogames, das redes sociais de computadores, das convenções sociais estabelecidas mesmo quando fantasiosas, em fim, preferirão o distanciamento do agir na realidade dura, o distanciamento do construir, etc.

Apresento a esquizofrenia como um processo de construção cultural. Todos os humanos teriam base hereditária para os processos que os esquizofrênicos apresentam. A diferença orgânica desta base seria semelhante à coloração da pele humana, umas são mais escuras outras são mais claras, umas são mais resistentes ao sol outras não, mas todo humano possui pele. Do mesmo modo todo ser humano possui capacidade de fazer do pensamento uma realidade que não possui desfecho na ação, uns mais, outros menos. Assim, a condição de ser esquizofrênico está ligada à capacidade do organismo de encontrar gratificação ou mais resultados satisfatórios no processamento de respostas que não passam para o estágio da ação, ou na emissão de comandos motores e hormonais incompatíveis com o que o grupo cultural dele adota em determinado momento.

Ver, ouvir, cheirar, etc. são comportamentos como qualquer outro. Desta forma, uma criança nos primeiros estágios de seu desenvolvimento ao direcionar seu aparelho sensitivo visual para um objeto disparará uma série de circuitos neuronais, estes circuitos se interligarão com mais força a outros circuitos motores e emocionais (por meio de crescimento dendrítico) a depender das consequências para o organismo dos primeiros movimentos e bombardeios de hormônios (neurotransmissores). A criança então passa a ver algo quando esse algo é consequenciado, reforçado. Na linguagem leiga, passamos a ver somente aquilo que possui significado. Por essa razão, um jovem que cresceu na cidade não enxergará diferenças entre tipos diferentes de plantas, mas tenderá a ver apenas a estrutura totalitária a depender do que foi reforçado, ao passo que um jovem interiorano que precisava das plantas para sobreviver, desenvolverá uma visão bastante aguçada para tipos variados de plantas. Em outras palavras, podemos ignorar por completo coisas do nosso ambiente, sem nunca as perceber, simplesmente porque não fomos consequenciados.

Nosso organismo pode ficar no plano da esquizofrenia se for melhor consequenciado, obtiver resultados melhores nas seguintes situações: 1) dispararmos apenas a primeira sequência de circuitos sem ativarmos áreas motoras (o que nos deixa no mundo do pensamento e imaginação) ou 2) apresentarmos reações de ativação do sistema nervoso central descoordenadas com as ativadas na maioria do grupo que estamos participando (o que nos levará a comportamentos sem conformidade com as expectativas do grupo).

No caso do segundo processo ocorrer, as pessoas poderão imaginar que sem condição prévia uma determinada pessoa começou a se comportar desta ou daquela forma (teve um surto psicótico), atribuindo-lhe o título de louco ou esquizofrênico. Infelizmente isto ocorre simplesmente porque não se consegue compreender qual foi o elemento desencadeador e o processo de construção de um conjunto de reações tão divergentes da maioria dos sujeitos do grupo.

Como o primeiro processo é mais simples e comum, pois é muito mais frequente pensar e não agir, vamos analisar o segundo que é bem mais complexo. Este segundo processo, está ligado à pergunta apresentada no sexto parágrafo deste texto: por que tanta gente age baseada em distorções completas da realidade geradas por seus “pensamentos”?

Percebam que existem dois planos distintos para o mesmo processo. Visto que, logo acima destaquei inconformidade das ações e sentimentos com o grupo cultural e agora eu destaco a distorção da realidade baseada no processamento do sistema nervoso. Então, precisamos aprofundar esse ponto.

Nosso sistema nervoso é programado para obter o melhor intercâmbio com o meio, baseado na regra de obter o máximo de resultados com o mínimo de esforço, pois esforço representa desgaste. Com relação ao ser humano e aos primatas de ordem superiores teremos nitidamente duas realidades para estabelecermos intercâmbio. 1) A realidade do ambiente material, físico e das demandas do biológico estabelecidas a partir do plano evolucionário e 2) a realidade social, cultural construída historicamente por um grupo que também deveria ter a finalidade de facilitar a sobrevivência. Todavia, embora a segunda realidade devesse está em conformidade com a primeira, muitas vezes uma cultura se desenvolve de modo a gerar uma dissociação completa a ponto de prejudicar a sobrevivência. Vejamos o exemplo abaixo para então voltarmos ao debate da esquizofrenia.

A realidade evolutiva dimensionou todos os mamíferos, incluindo o homem, para o processo reprodutivo ser precedido do cortejo. Na espécie humana o cortejo seria o namoro. Namorar é uma preparação prévia para a reprodução. Reprodução humana se dá via atividade sexual. Cortejo e namoro não necessariamente representam possibilidade de acasalamento, pois no caso das demais espécies o cortejo é uma necessidade das fêmeas para poderem selecionar o melhor macho para o investimento parental. Todavia, acasalar ou se permitir sexualmente para todas as outras espécies não humanas é sinônimo de reprodução ou intenção de reproduzir. Os machos humanos, assim como outros mamíferos machos, possuem evolutivamente menos critérios que as fêmeas para o acasalamento, por isso o namoro para o macho é uma tentativa de investir no acasalamento com a fêmea. A fêmea por sua vez é quem escolhe (ou é pega forçadamente), por essa razão o cortejo é uma necessidade para a fêmea escolher e decidir sua entrega sexual ou não. Sob o ponto de vista biológico e evolutivo o sexo pode ocorrer sem que resulte em reprodução, mas não pode ocorrer dissociado deste processo ou intenção.

Este exemplo acima representa a realidade evolutiva biológica, mas a realidade social brasileira hodierna vai se apresentar completamente distinta desta dinâmica e pode até mesmo prejudicar a compreensão ou gerar necessidade de negar esta base biológica. Por exemplo, socialmente tenta-se colocar machos e fêmeas dentro de uma mesma dimensão biológica evolutiva, daí as pessoas entendem que ambos devem ter os mesmos critérios e apresentar os mesmos padrões comportamentais.  

Desta dimensão social de variáveis teremos ambientes culturais que entendem a atividade sexual como parte do namoro e o coito não representa o fim último do cortejo. Na realidade hodierna de certas classes pratica-se sexo sem a menor intenção ou finalidade de se reproduzir. Pode-se transar com um parceiro sem antes ter havido cortejo. É comum jovens brasileiros saírem para as festas, conhecerem lá uma pessoa e logo em seguida transarem, sem que antes tenha havido qualquer contato mais profundo. Todos esses padrões comportamentais são vistos como normais e totalmente naturais dentro da realidade de certas camadas sociais brasileiras.

Em contrapartida, algumas outras culturas protelam ao máximo o acesso à atividade sexual, podendo o sujeito envolvido participar de um namoro durante anos sem que tenha direito ao sexo do outro. Neste caso também teríamos uma diferenciação do padrão biológico no sentido de que se exageraria no tempo de cortejo para o acesso às atividades sexuais. 

Os parágrafos acima foram apresentados para entendermos melhor o que é distorção da realidade. Pois, no caso humano, uma cultura inteira pode distorcer a realidade e criar uma outra realidade que pode ser nociva e destrutiva para a perpetuação da espécie. Porém, se for um comportamento que aparece e é reforçado pela cultura, ninguém perceberá este comportamento como patológico ou esquizofrênico. Entretanto, se um comportamento biológico provável aparecer em um ambiente cultural que não reforce este padrão, o sujeito poderá ser classificado como doente, manipulador, psicopata e até mesmo esquizofrênico, no sentido de está fora da realidade que todos vivem naquele grupo social/cultural. Por exemplo, sabemos que a maior parte das culturas do planeta são poligínicas e o comportamento de outros mamíferos machos também apresentam o mesmo padrão, portanto podemos entender a poliginia como um comportamento biologicamente possível. Mas, se um homem brasileiro ou de cultura eurocêntrica manter relacionamento fixo com mais de uma mulher numa mesma residência poderá ser acusado de louco por seus vizinhos e causará uma verdadeira desconfiança sobre sua sanidade. Muitas famílias brasileiras preferirão que suas filhas se relacionem com dependentes químicos, homicidas ou ladrões ao invés de um homem comprometido. Isso ilustra como o plano cultural se sobrepõe ao biológico na definição de normalidade.

O plano cultural ganha importância para nós humanos como resultado do próprio avanço biológico. Evoluímos em grupos, por essa razão em determinado momento fazer parte e ser aceito pelo grupo tornou-se uma necessidade vital. A maior parte dos transtornos esquizofrênicos se configura na tentativa de suprir demandas decorrentes da interface entre a realidade social e a biológica. É comum esquizofrênicos tentarem chamar a atenção de um determinado grupo social, sentir-se perseguido e sem apoio, ou colocar-se como alguém muito importante ou ainda criar elementos imaginários que supram necessidades de ordem biológica dentro de “regras” sociais (como namorados e amigos imaginários).

O indivíduo se torna esquizofrênico como resultado de toda uma construção ao longo de sua história de vida. Uma criança apresenta as mesmas características de um esquizofrênico (neologismos, criação de mundos imaginários, etc.), mas ao longo do processo de desenvolvimento a criança vai sendo cada vez mais reforçada a entrar em contato com a realidade de uma forma mais efetiva, porém mesmo na fase adulta muitos não conseguem avançar para sair das pré-elaborações (romper com planos imaginários e ilusões) que são criadas e reforçadas culturalmente (romances, idéias sobre o divino, etc). O esquizofrênico é idêntico a qualquer sujeito considerado normal, não fosse pelo fato de alguns comportamentos aparecerem com mais frequência, e às vezes com muito mais frequência, que a maioria dos sujeitos.

A garantia da sobrevivência da espécie se deu por essa capacidade de não ver as coisas como elas são, mas de sermos capazes de pré-elaborarmos contextos e dirigirmos ações em função da concretização destas pré-elaborações que na maior parte nunca se concretizam. Assim, muita gente vive em função da glória celeste e abandona possíveis conquistas terrenas, outros buscam o casamento dos sonhos e abandonam relacionamentos reais e pessoas que verdadeiramente gostam delas, outros ainda desistem de construir com suas próprias mãos e trabalho uma sociedade melhor e apostam nas urnas que uma pessoa resolverá os problemas sociais. O que seria da sociedade e mesmo da espécie se não fosse essa capacidade de romper com o real e criar realidades imaginárias?

Porém, o objetivo deste texto é trabalhar os fatores que desencadeiam a esquizofrenia. Portanto, vamos direto ao ponto. É inegável que algumas pessoas possuem a pele mais sensível ao desenvolvimento do câncer, mas isso não significa dizer que irão desenvolver, pois tomando alguns cuidados o problema nunca aparece. O mesmo entendimento vale para a esquizofrenia. É bem verdade que muita gente possui dificuldade de avançar para comportamentos de ação direta no ambiente (certamente devido a uma sensibilidade maior a aversivos). Outros apresentam comportamentos que para o leigo fica difícil estabelecer as  conexões contingenciais com os estímulos discriminativos postos. Outros ainda constroem comportamentos supersticiosos com bastante facilidade. Mas enquanto comportamentalista fica difícil discriminar diferença dos comportamentos que um esquizofrênico apresenta do que uma pessoa considerada normal apresenta quando tenta se adequar a uma realidade social e cultural distante demais da realidade física-material e filogenética.

Desta forma, pela mesma razão que as pessoas consideradas normais distorcem a realidade, os esquizofrênicos o fazem de modo mais exagerado. Em outras palavras, as pessoas distorcem a realidade pela dificuldade que encontram em lidar com ela, do mesmo modo o esquizofrênico. O esquizofrênico apresenta seus surtos principalmente quando se depara com situações em que ele não encontra repertório comportamental adequado para lidar com o real. O tratamento do esquizofrênico seria uma ação concreta na medida em que possamos trabalha-lo para desenvolver habilidade de lidar com a realidade que ele se encontra. O problema reside no fato de que ele, assim como a maioria das pessoas, encontra mais conforto no mundinho interno e nas gratificações imaginárias que no contato e no enfrentamento da realidade.
                                                                     "Os homens são tão necessariamente loucos que
                                                                      não ser louco seria uma outra forma de loucura".

                                                                                                                                   Blaise Pascal

Assim eu estudei assim eu conto para vocês.

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