Somos ou Não Somos Cruéis?

16/01/2012 02:30 - Psicologia - Gerson Alves
Por Gérson Alves da Silva Jr.
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Existe uma grande corrida e batalha pela vida. Quando se observa os seres vivos de maneira geral percebe-se que eles estão envolvidos numa eterna guerra. Animais se digladiam entre si, matam uns aos outros. Espécies de seres vivos para se manterem vivos precisam se alimentar de outros seres. Quando se reflete sobre as doenças, não fica difícil concluir que na maioria dos casos o que nos leva a adoecer são outros seres vivos que nos destroem para poder de nossa vida e de nossa morte retirar sua própria condição existencial. As bactérias, os fungos, os vírus e outros tipos de micro-organismos nos destroem porque a existência dos mesmos depende da subtração da energia de nossos corpos, do mesmo modo que nossa existência depende da morte de outros seres, pois também matamos para nos alimentar. Mesmo os vegetarianos são incapazes de produzir sua própria energia vital, por isso matam e roubam energia das plantas que também são seres vivos.

Seriam os vírus, bactérias e toda a sorte de micro-organismos os demônios que nos atormentavam no passado, do mesmo modo que somos nós os demônios que atormentamos os demais seres que matamos para continuar nossa condição existencial?

Não seria essa uma perfeita definição de crueldade? Nossa existência depende da capacidade de sermos cruéis. A crueldade para matarmos e comermos outros seres, para subtrairmos energia, faz parte de nossa natureza mais profunda, é graças a essa capacidade que deixamos de ser amebas e nos tornamos seres pluricelulares que roubam energia a custa da morte de outros seres. Ainda há quem não entenda a antropofagia. Comer o outro significa tirar-lhe a energia, utilizar as forças do outro para fazer dela sua própria força. Por isso a antropofagia não é comum apenas em “psicopatas”, mas também em muitos grupos primitivos e selvagens.

Nossa existência não é tão nobre como poderíamos pensar a partir de premissas religiosas. Matamos e destruímos a vida a cada dia de nossa existência para permanecermos vivos. Somos um princípio ladrão de energia. Talvez este princípio ladrão de energia não devesse continuar a existir, pois no fundo somos sempre aproveitadores do outro e o somos mais quando o outro tem certa distância de nós.

Pela lógica da seleção natural as coisas não estão ligadas a honestidade nem a valores morais. Por essa razão todos os homens são passíveis de corrupção, pois antes de seus valores morais estão os seus princípios vitais, algo que transcende a existência de um homem em particular. O princípio que leva uma pessoa a tirar vantagens de outras em benefício de si e dos seus, é mais antigo que a própria existência de um ser humano e mais antigo que a própria humanidade como um todo. Somos aproveitadores do trabalho do outro antes de sermos humanos.

Negar essa condição cruel não faz o homem melhor. Fazer de conta que não ver esta condição que tira proveito do outro, não nos faz superiores. Até podemos criar propostas humanitárias e igualitárias, mas não negamos com isso nossa constituição.

A igualdade não nos acompanhou durante nosso desenvolvimento histórico. Assim sendo, ser cruel não destitui o sujeito de sua humanidade. Aliás, penso ser bastante cruel definir o que é humano e o que é  desumano, pois definindo pode-se espoliar o outro sem precisar lhe afligir fisicamente. Quem define que dores de rejeição e prisões são menores que agressões físicas e mortes?

Ser bom é favorecer o outro. Mas até que ponto favorecer o outro é bom para nós? Até que ponto favorecer o outro será bom para ele a longo prazo? Até que ponto não é nossa idéia de bem que promove o mal? Em que circunstâncias o egoísmo é aceito? Egoísmo para destruir outros em benefício próprio. Egoísmo para violar e deturpar a imagem do outro em função de seu crescimento. Egoísmo para abandonar outros em função dos seus ideais que não contemplam benefícios a uma coletividade.

Teve pena da rolinha que o menino matou.
Mas depois que torrou a bichinha, comeu com farinha... Gostou.
Fogo pagou, fogo pagou, fogo pagou. Tem dó de mim!
Fogo pagou, fogo pagou, fogo pagou. É sempre assim!

Todo mundo lamenta a desgraça que a gente passa num dia de azar
Mas se disso tirar bom proveito, sorrir satisfeito fingindo chorar.

                                                                               (Luiz Gonzaga e Rivaldo Serrano de Andrade)

Negar a realidade não constrói um mundo melhor. Entendê-la, enfrentá-la e principalmente analisar as possibilidades dentro desta realidade é que pode garantir uma promessa de futuro mais coerente. Pois em nossa natureza humana também se inscreve a vida em coletividade. Para vivermos em coletivo precisamos dosar crueldade e senso de solidariedade. Mas a medida é muito mais difícil do que a meia-embreagem de um carro velho numa grande ladeira com um motorista iniciante. Embora a natureza não seja estática, quem disse que mudar determinadas condições é tarefa fácil? Não podemos esperar a bondade gratuita do outro. Devemos ensiná-los a bondade preparados para sermos cruéis quando o caminho do bem não é a escolha.

Assim eu observei, assim eu conto para vocês.

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