Por que Somos Curiosos e Desejamos Saber?

18/12/2011 12:01 - Psicologia - Gerson Alves
Por Gérson Alves da Silva Jr
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Quando eu era garoto me ensinaram no catecismo que o homem possui uma alma pensante e racional. Disseram-me também que isso nos distinguia dos demais animais. O ponto central é que diziam ser esta alma (pensante e racional) a produtora da nossa sede de conhecimento. Pensei em matar esta alma já que era ela a culpada por me angustiar tanto com questionamentos e curiosidades sem fim. Mas, informaram que essa alma sedenta era imortal. Passei então a questionar através dessa mesma alma o porquê da imortalidade. Como se estrutura algo que vive para sempre? Bem, pediram para não questionar sobre essas coisas de Deus. Pois, embora ele tenha dado a alma para questionar, disseram não ser certo questionar sobre ele mesmo e seus mistérios, Agostinho de Hipona entende bem isso. Alguns anos depois li Fides et Ration do Papa João Paulo II e lá está posto que: a fé e a razão são as duas asas que Deus pois no homem para voar até a verdade maior que é ele mesmo. Bonito e confortante, mas terá fundamento?

Uma outra forma de pensar me foi apresentada. Neste novo modelo não havia limites ou castigos para os questionamentos. Neste novo modelo me propuseram que questionamos e temos curiosidade sobre as coisas e a existência porque à medida que encontramos respostas temos mais chances de sobrevivência. Isso me parecia por demais contraditório com os ensinamentos de mamãe que nunca deixou de dizer: a curiosidade matou o gato.

Mamãe poderia está errada, afinal eu nunca havia visto a morte de um gato por curiosidade. Mas, já havia percebido que os gatos que eram curiosos sobre novos barulhos, novas explorações, novas rotas de fuga, etc. acabavam encontrando mais alimentos, encontrando mais gatas (para fazer mais gatinhos), encontrando chances maiores para a sobrevivência. Somente de vez em quando poderia acontecer do gato se dar mal, mas eu nunca vi, e mesmo que ocorresse, esse danado teria namorado muito mais gatas do que um gato não curioso e não investigador de novos territórios. Os gatos curiosos portanto podem até morrer logo, mas deixam mais descendentes, tem muito mais prazer na vida e sobrevivem bem alimentados. Mamãe pode está certa que a curiosidade matou o gato, mas o gato curioso fez mais história e descendentes que o acomodado.

Será que os gatinhos, filhotes dos gatões curiosos herdam uma arquitetura cerebral semelhante à dos pais e portanto com o mesmo ímpeto curioso? É visível que eles herdam cores, tamanho, musculatura, mas será que herdam também um cérebro que vai definir facilidade de ser curioso? Pesquisas em psicologia e neurociências mostraram que áreas límbicas são responsáveis em partes pelo nível de agressividade dos gatos, o sistema límbico fica no cérebro intermediário e não é produzido totalmente pela cultura ou aprendizagem. O tamanho, forma, quantidade de conexões e o trabalho das áreas límbicas junto com outras áreas corticais e certos níveis de testosterona definem a maior ou menor agressividade dos gatos. Porém, mesmo havendo essa propensão (seria melhor vulnerabilidade) pela arquitetura límbica  herdada dos gatos, o modo como eles interagem com o meio também conta na graduação destes níveis de agressividade. Da mesma maneira, gatos com certas áreas telencefálicas maiores, apresentam maior grau de curiosidade que outros, embora, assim como a agressividade, essa curiosidade pode ser frustrada ou incentivada pelo meio. Certamente o catecismo frustrava as minhas curiosidades sobre a existência, sem falar que eu ficaria sem conhecer muitas gatas. De qualquer forma, pior seria se eu tivesse prosseguido no seminário.

Então de onde veio à curiosidade e a sede de conhecimento? A resposta para essa questão é muito longa, pois tem aproximadamente 3.500.000.000 de anos que começou a ser escrita com o surgimento da vida na terra. Bem, na verdade, ela começa a ser escrita a aproximadamente 13.000.000.000 de anos com o surgimento do universo da maneira que o entendemos hoje (porque antes do Big Bang já existia alguma coisa que é bem diferente do conceito de Deus que as pessoas possuem). Mas, acredito que ninguém vai querer ler essa história toda em detalhes, por isso vou tentar resumi-la em algumas páginas.

A palavra curiosidade vem de um vocábulo latino, cur. Este vocábulo tinha o mesmo papel de por quê. Dele se derivou o neologismo curiositas. A palavra portuguesa cura tem a mesma origem o que demonstra o sentido positivo da palavra, pois ser curioso é buscar a causa, os determinantes das coisas. Daí, pode-se concluir o sentido prático do saber e do conhecimento. Conhecemos e somos curiosos para conseguirmos sobreviver melhor, assim como os gatos.

Em algum momento da história da vida um animal apresentou uma variedade natural na sua arquitetura cerebral e isso fez com que ele fosse capaz de explorar territórios e outros processos da natureza de tal forma que possibilitou a esse animal maiores chances de sobrevivência. Assim como os gatos curiosos, esses animais curiosos acabaram deixando mais descendentes que os acomodados. Seus filhotes herdaram características semelhantes e a cada geração ocorria pequena variação nessa arquitetura cerebral que fazia com que uns sempre ficassem um pouco mais curiosos que outros. Presume-se que esses cada vez mais curiosos foram deixando cada vez mais descendentes até chegar em nós. Fora os humanos, os animais mais curiosos são os nossos outros primos primatas, e os mais curiosos entre os primatas são aqueles com maior proximidade genética de nós.

Nós desenvolvemos tanto a nossa curiosidade que muitas vezes precisamos criar mecanismos culturais para frustrá-la. Porém essa frustração só deveria ocorrer quando a curiosidade prejudicasse o desenvolvimento da própria vida. E como eu disse, nunca vi gato morrer de curiosidade, embora possa presumir que isso deva ocorrer. Mas o ponto fundamental é: a curiosidade e o saber, ou seja, o querer conhecer surgiu para garantir e propiciar melhores condições e chances de sobrevivência. Neste sentido todo conhecimento deve ser prático, aplicável e responder problemas existenciais. Ser prático é ser pragmático e isso só pode ser dito quando se promove a nossa sobrevivência.

A ciência é o espaço de questionamento para a construção de um mundo melhor. Quem me explica por que então se critica o pragmatismo da ciência? Ou não entendem o significado de ser prático ou fazem parte do grupo dos meus professores de catecismo. Se assim for, convido os amigos a observarem que embora a curiosidade possa ter matado o gato, deve valer a pena para o gato conhecer novas gatas.

Assim eu refleti, assim eu conto para vocês.

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