O menino Francisco e Zumbi dos Palmares

17/11/2009 19:44 - Raízes da África
Por Arísia Barros


Os silêncios, vazios em sua essência histórica e os fragmentos de memória da história de Alagoas abrem lesões profundas e intrínsecas na contextualização da luta guerreira do povo negro - simbolizado na figura de um menino dado de presente a um padre. Um negro chamado Francisco - que antes de ser convertido aos padrões eurocêntricos da educação recebida, subverteu a idéia construída de negro como povo escravo, malemolente. Francisco que não herdou a mansidão do santo dos passarinhos. Francisco, o senhor dos quilombos. O Brasil demorou 300 anos para internalizar a questão do herói negro. 300 anos! A Rua do Brasil que dá de cara com a África é um beco sem saída! Francisco, o menino transformou-se em Zumbi, o guerreiro. A palavra Zumbi, ou Zambi, vem do africano quimbando "nzumbi", e significa a grosso modo, "duende". Dizem que a partir da sua vivência no mundo dos brancos, Zumbi apoderou-se da certeza de que o povo negro precisava se transformar em sujeito de sua própria história e não continuar objeto dos caprichos do senhor. Francisco, o Zumbi, contrapôs a história de que uma andorinha só não faz verão. Creio que uma andorinha só, pode sim, plantar a chuva e da terra molhada nascer o feno que chamará outros humanos famintos de sonhos e aí cabe a andorinha seduzi-los e seduzi-las para revoada. Zumbi, o dos Palmares, concebeu no quilombo a incorporação de ideais humanitários, a legalização dos direitos humanos: somos diferentes sim, mas não desiguais! A Escola cala a voz de heróis e heroínas não hegemônicos. Ganga Zumba foi negro. Zumbi tinha orgulho da sua negritude. O povo negro não é hegemonia. A invisibilidade da história negra traz para a contemporaneidade a degola metafórica da luta palmarina e outras intervenções negras, quando as informações didáticas e sociais vêem carregadas de juízos de valor que estabelecem lugares de poder e a relação de submissão do negro escravizado com o branco/senhor/dono. Ponto contra! É urgente a qualificação dos espaços pedagógicos. A voz de milhares de profissionais da educação ainda se atrela e atropela as existências da multiculturalidade. Como se dará a inserção da temática negra na escola se os conceitos já vêem predefinidos e mapeados pela ótica envelhecida e empobrecida do unilateralismo dos saberes?
Ao colocar correntes no currículo, a escola nega e perpetua a África escravizada pelo sinuoso subterrâneo do racismo. Na verdade, o Brasil não quer ser africano - já diria o grande Abdias Nascimento - o ícone brasileiro do movimento revolucionário negro. Arma-se um pano de fundo sociológico com relações de causa e efeitos nefastos nítidos e precisos na errônea reinterpretação da história e da desigualdade racial e social crônica: dominantes e dominados. Ganga Zumba e Zumbi lideraram uma das maiores expressões de luta organizada no Brasil em resistência ao sistema colonial-escravagista E nós, seu povo descendente, fruto da noção cristalizada da hierarquia dominante, moramos em favelas, palafitas, somos o maior contingente de analfabetos no segundo país mais negro do mundo, fora do continente africano.
 

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