O desvio artificial da foz do Rio Jacarecica, no litoral norte de Maceió, tem agravado processos erosivos, comprometido a restinga e ampliado a vulnerabilidade ambiental e social da região, segundo análises técnicas de coletivos socioambientais. 

Moradores denunciam que as intervenções, atribuídas a obras e aterros ligados ao empreendimento Beachgarden Jacarecica, teriam deslocado o curso natural do rio em cerca de 1.400 metros.

A denúncia foi formalizada no dia 18 deste mês pela Associação de Moradores dos Conjuntos Residenciais Jacarecica I e II (AMORJAC), em conjunto com o Observatório Ambiental Alagoas, o Instituto Salsa-de-praia e outros coletivos. As entidades alertam para impactos ambientais graves e riscos diretos à população que vive no entorno da foz.

Alteração do curso gera instabilidade ambiental

De acordo com a bióloga Neirevane Nunes, integrante do Observatório Ambiental Alagoas, a alteração forçada do curso do rio provocou instabilização das margens, avanço do leito sobre a restinga e aumento expressivo do risco ambiental na área costeira. Segundo ela, os efeitos dessas intervenções já se refletem no cotidiano dos moradores.

“O desvio forçado do Jacarecica, hoje distante cerca de 1.400 metros de sua foz natural, gerou instabilização das margens, avanço do leito sobre a restinga e aumento do risco ambiental na região costeira”, afirma.

A bióloga aponta a existência de processos erosivos ativos, colapso de barrancos e degradação da restinga, ecossistema fundamental para a proteção natural da costa. Em sua avaliação, o risco de prejuízos às moradias cresce à medida que as intervenções permanecem sem correção, sobretudo diante da intensificação das mudanças climáticas.

 

Bióloga Neirevane Nunes, integrante do Observatório Ambiental Alagoas – Foto: Reprodução

 

Segundo Neirevane, a restinga desempenha papel estratégico na dissipação da energia das marés, chuvas intensas e ressacas. A degradação desse ecossistema reduz a capacidade de proteção da área, ampliando a exposição do território a inundações e processos erosivos.

“Com a perda dessa barreira natural, o território fica mais vulnerável a eventos extremos, que tendem a se intensificar com as mudanças climáticas”, explica.

Para a bióloga, o caso de Jacarecica evidencia a ausência de planejamento ambiental e climático em Maceió, com intervenções em áreas de preservação permanente que desconsideram o papel desses ecossistemas na adaptação às mudanças climáticas.

Nunes ressalta que todos os moradores do entorno da foz do rio são afetados, já que dependem diretamente da estabilidade ambiental da área para segurança, moradia e qualidade de vida. 

“São populações que convivem há décadas com a pressão urbana e que têm grande dificuldade de adaptação frente a desastres ambientais, até porque Maceió ainda não possui um Plano Municipal de Adaptação às Mudanças Climáticas”, afirma.

Documento aponta danos ambientais e sociais

Em documento enviado à imprensa, os coletivos socioambientais afirmam que a mudança no fluxo do rio vem causando erosão, destruição do ecossistema, desmatamento irregular, contaminação hídrica, impactos sobre a fauna marinha e aumento da vulnerabilidade da região a inundações e colapsos geomorfológicos.

O texto destaca ainda que a restinga atua como barreira estratégica contra o avanço do mar e eventos climáticos extremos. Estudos da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) já indicavam que a bacia do Jacarecica sofria com os efeitos da urbanização, mas as intervenções recentes na foz, marcadas por aterros e cercamentos de terrenos privados, agravaram o cenário de forma crítica.

Os alertas técnicos se somam aos relatos da população local. O presidente da AMORJAC, Fernando Baracho, lembra que o Rio Jacarecica já foi um espaço de lazer e convivência. “O Rio Jacarecica era como outros: limpo, oferecia possibilidade de lazer em suas águas e inclusive poderia praticar pesca”, recorda.

Segundo ele, o desvio da foz impacta diretamente o cotidiano dos moradores, alterando a rotina, comprometendo o descanso e trazendo riscos à saúde. A principal preocupação da comunidade é com possíveis intercorrências na área de proteção da encosta da praia.

Sem uma decisão judicial que determine a reabertura da foz original do rio, os moradores temem alagamentos, erosões e danos às moradias. “Sem os bancos naturais de areia e sem a cobertura das salsas, a região costeira fica vulnerável às forças das marés”, afirma.

Na avaliação do Observatório Ambiental Alagoas, o cenário atual gera insegurança ambiental, sanitária e patrimonial. Nunes destaca o risco sanitário diante da contaminação já registrada na foz do rio pelo próprio Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA), além da possibilidade de desvalorização dos imóveis e danos futuros às moradias causados por erosões e alagamentos.

Segundo a especialista, a continuidade da degradação ambiental pode resultar, no médio e longo prazo, em um cenário ainda mais grave caso não haja intervenção do poder público.

Entidades cobram medidas urgentes

Neirevane avalia que a resposta do poder público tem sido insuficiente diante da gravidade da situação no litoral norte. Ela critica o crescimento urbano sem planejamento e sem respeito aos princípios da precaução e da prevenção.

“Precisamos urgentemente construir e implementar o Zoneamento Ecológico e Econômico para o Estado de Alagoas. As intervenções irregulares persistem apesar das denúncias e dos estudos técnicos, o que revela falhas graves na fiscalização e no licenciamento ambiental”, afirma.

A AMORJAC e os demais coletivos cobram uma resposta imediata das autoridades. Entre as reivindicações estão a concessão de liminar para reabertura da foz original do Rio Jacarecica, medidas emergenciais para conter os processos erosivos, recuperação da vegetação de restinga, embargo de obras e aterros irregulares e a apuração das responsabilidades dos envolvidos no empreendimento Beachgarden Jacarecica.

“É fundamental garantir responsabilização, transparência e a proteção dos direitos das comunidades que estão sendo afetadas”, reforça Neirevane.

O que diz o IMA

Em nota, o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA/AL) informou que tem conhecimento de denúncia sobre possíveis irregularidades ambientais e suposta alteração no curso do Rio Jacarecica, relacionadas a obras no bairro de Jacarecica, em Maceió.

Segundo o órgão, uma equipe técnica será enviada ao local para verificar a situação e apurar os fatos, com adoção das medidas cabíveis caso sejam constatadas irregularidades. 

O IMA informou ainda que realiza monitoramento da balneabilidade na região e ações de fiscalização ambiental. Denúncias podem ser registradas por meio do aplicativo IMA Denuncie, disponível para Android e iOS.

*Estagiária sob supervisão da editoria