Votar diretamente para todos os cargos da política é um direito da população brasileira. Somente as ditaduras cassam essa prerrogativa em nome de uma escolha indireta, feita pelos eventuais donos do poder, em determinada época. Foi assim no regime do chamado Estado Novo, de Getúlio Vargas, e depois do golpe militar de 1964. No caso de presidentes da República, recuperamos esse caminho soberano a partir de 1989.

Mas como o Brasil é um país de soluções extravagantes, digamos assim, o que é um direito incontestável foi embalado nos limites de uma obrigação. Assim, estamos livres para votar, mas isso é um dever do qual não se pode fugir. E aqui não importa que a punição pela falta seja uma multa de valor irrisório. Há outras consequências.

As mais problemáticas dizem respeito a restrições que podem tumultuar a vida do indivíduo – como barrar a participação em concurso público. Ou seja, a obrigatoriedade de votação acaba por fulminar a liberdade individual de escolha. Por isso, este é um debate sem fim no país, que vai e volta em diferentes momentos.

Embora não sejamos o único país com este sistema, o voto obrigatório existe, até onde sei, em não mais que vinte nações. Argentina, Chile, Grécia e Bélgica estão entre os que seguem o modelo. Nas chamadas grandes democracias – como Estados Unidos, Itália, Reino Unido, Alemanha e França – o voto é facultativo. Você decide.

Se, mais uma vez, estamos diante de um direito inquestionável, por que diabos isso é ao mesmo tempo uma imposição? Ainda que haja argumentos em defesa do atual sistema, nada que se argumente desmonta o que se pode classificar de contradição nos termos. O voto obrigatório é um conceito surreal que afronta a lógica elementar.

O voto facultativo aumentaria o tamanho da abstenção nas eleições, alegam os defensores do atual sistema. Mas esse índice já é uma enormidade, mesmo com o “direito compulsório” em vigor. Fortalecer o interesse do povaréu nas eleições é algo a ser buscado por campanhas educativas, e não por atos coercitivos e punições. 

Na década de 1980, quando se debatia a chamada emenda Dante de Oliveira, para a volta das eleições diretas, na turma do contra, uma das principais alegações era esta: “o povo não está preparado para votar”. Com sinal trocado, é o mesmo cinismo de quem alega que a sociedade “não está pronta o suficiente” para o voto facultativo.

Direito é direito, dever é dever. Defendo o fim da obrigatoriedade e a liberdade de votar, se assim o indivíduo quiser. É o que também pensam leitores que deixaram opiniões no post anterior deste blog, no qual abordei a proposta que tramita no Congresso sobre voto distrital misto. O gatilho para este texto foram os comentários desses leitores.