As cenas no meio da rua não poderiam ser mais precisas. Aquilo é o Brasil. Um deputado estadual dando carteirada para driblar a legislação de trânsito. Lelo Maia, que tem um irmão vereador em Maceió, é um político em primeiro mandato na Assembleia Legislativa. A essa altura, os leitores sabem do que estou falando. Na semana passada, Maia foi o pivô de uma confusão ao tentar impedir o trabalho de servidores públicos.

Desde então, o político desencadeou uma campanha contra o que ele chama de “indústria da multa”. O alvo é o DMTT, o departamento municipal que cuida do setor. A zoada é uma cortina de fumaça para tentar mudar de assunto. Explico: este senhor deveria ter sido preso em flagrante quando intimidou os agentes de trânsito.

O vídeo que circula pelos quatro cantos da internet não deixa dúvida. O deputado age como um típico representante do apodrecido coronelismo da vida pública brasileira. Tem dinheiro. É de uma família de carreiristas da política. Circula entre os bem postados da “elite alagoana”. Com essas credenciais, se julga acima da lei e da ordem.

No vídeo – confira em reportagens do CM – Lelo Maia chega a dar “voz de prisão” a um dos agentes. Ocorre que, por tudo o que se vê, era o deputado quem deveria ter sido levado ao xadrez. Além de desacato, ele claramente intimida os servidores a partir de sua condição de membro da gloriosa Assembleia Legislativa. Uma postura vergonhosa.

Há alguns detalhes pouco explorados por nossa imprensa – até onde li sobre o caso. Entre as barbaridades que diz ao ser abordado, Maia avisa ao agente: “Eu já falei com seu chefe”. Mais adiante, ele faz uma ligação e fala com alguém chamado André. “Eu já falei com você, André... Estão querendo levar meu carro”. Mas quem é André?

É André Costa, o diretor do DMTT, o homem que manda no trânsito da capital. Ele é delegado da Polícia Federal, foi secretário de Segurança no Ceará e caiu nas graças do prefeito João Henrique Caldas. Maia, que desacata autoridades, trata o senhor Costa como subordinado. Que relação é essa entre dois agentes públicos?    

Para mim, reitero, o mais revelador, o mais desconcertante nisso tudo é o telefonema entre Maia e André Costa. É assim que as coisas funcionam. Um político ricaço se sente incomodado ao ser flagrado cometendo um delito, e o que ele faz? Liga para o responsável pelo setor, fala grosso e escapa de qualquer sanção. Foi o que aconteceu.

Vamos todos nós, que dirigimos pela cidade, reivindicar o número de telefone do delegado André Costa, que tal? Deu um problema com a lei, liga para o homem. Não vai rolar, é claro, afinal linha direta com o poder não é para qualquer um. O diretor do DMTT está devendo uma explicação a sua equipe e aos alagoanos em geral.

Outdoor na rua. Agora vejo que o deputado Lelo Maia não tem problema em gastar dinheiro em defesa das boas causas. Ele espalhou outdoors por Maceió com a seguinte frase, ao lado de sua imagem: “Denuncie a indústria da multa”. Não sei se é algo mais no campo do absurdo, da piada pronta ou as duas coisas juntas.

Outro dado ridículo nesse episódio-síntese do Brasil é o debate no ambiente político. Na Câmara Municipal, vereadores governistas criticam a “indústria da multa”, mas dizem que o prefeito nada tem a ver com isso. A culpa então é dos agentes? Só falta o prefeito abrir processo disciplinar para expulsar os servidores que enfrentaram o deputado.

O episódio serviu ao menos para nos informar, de maneira clara e pedagógica, como se dá a relação entre poder político e interesses particulares. Deputado saca o telefone, dá ordens a quem não lhe é subordinado e consegue o que quer. Sabemos que é assim, claro, mas é sempre educativo quando temos tamanha ilustração.

Para não haver dúvidas, reafirmo: os agentes do DMTT agiram dentro da lei e foram ameaçados por um político. O ideal – e que não vai acontecer – seria punição a este sujeito que, sob a blindagem de um mandato, ofende pessoas, achincalha a política e desmoraliza a gestão pública. Quanto ao prefeito, sua omissão é apenas previsível.