A proliferação de canais de jornalismo no YouTube deu vida a um inusitado fenômeno: a recorrência dos mesmos analistas em diferentes programas e, mais do que isso, em veículos concorrentes. Chamo de “canais de jornalismo” todos os espaços que gastam horas com debatedores sobre todos os assuntos – das terras raras ao dia da pizza, do metanol à realeza britânica, da Palestina à mudança climática. O falatório é infernal.
Nesse balaio pela internet, estão as novas marcas e as empresas consagradas entre os meios de comunicação de massa. Tem o ICL e o Brasil 247 brigando com UOL e CNN. Tem a Revista Fórum e a Oeste na briga com a Jovem Pan e a Bandnews. Tem a Times Brasil, O Antagonista, o GGN, a Globonews, a Record News e o Metrópoles. Pequenos, médios ou gigantes, todos esses ambientes não escapam de um grave problema.
É o repeteco de vozes que transitam em vários programas que, em tese, deveriam zelar por uma via particular. Não é o que acontece. Você sai de um canal, clica em outro, mas o analista é o mesmo. Chega a ser cômico. Num intervalo de poucas horas, um professor faz uma peregrinação por meios e programas que disputam a mesma audiência.
São incontáveis os exemplos. Vou citar dois que ilustram a bagaceira à perfeição: João Cezar de Castro Rocha e Leonardo Trevisan. Pode clicar agora no YouTube. Tenho certeza de que eles vão aparecer como sugestões do algoritmo, dando entrevista em tudo o quanto é lugar – de um recente podcast a uma das grandes redes de TV aberta.
Especulo que Trevisan seja imbatível nesse campeonato de opiniões sobre tudo. Ninguém aparece mais do que ele. Furou todas as bolhas. Digo isso porque ele está no UOL, no Brasil 247, no Canal Livre da Band, na tela da Record e até no Jornal Nacional. Professor da ESPM, fala de relações internacionais, geopolítica e realidade nacional.
Além de serem convidados para debater em mesas redondas, os analistas povoam meio mundo de podcasts, sem discriminação de simpatias políticas e tendências ideológicas. Num dia, o cara está com Antonio Tabet (UOL), no dia seguinte com Marco Antonio Vila (Jovem Pan) e no terceiro dia no Reconversa, com Reinaldo Azevedo e Walfrido Warde.
Recorrer às mesmas fontes para abordar um assunto sempre foi um problema no jornalismo. É uma realidade que revela hábitos nada saudáveis na milenar profissão, como preguiça mental, falta de ousadia e escolhas acríticas. Mas o que sempre existiu, com a revolução digital bateu no paroxismo, num precoce quadro desalentador.
Bom, os convidados nada têm a ver com o problema. Se os convites chegam, eles vão lá e faturam o capital simbólico (um dia, eu usaria essa expressão mágica!). A encrenca é um desafio para empresas e jornalistas, que têm obrigação de criar produtos de qualidade e tratar a informação com seriedade e abrangência. Não é o que temos.
Aliás, todas as pistas apontam para o agravamento da situação. Um dado irônico: boa parte desses veículos no YouTube estão ocupados por medalhões da velha imprensa. Nome estrelado nunca foi garantia de arrojo – e nem selo de qualidade. Por aí.