As duas capas de Veja. A primeira é de 2016, quando Lula vivia acossado pela Lava Jato, e Dilma estava à beira do impeachment. A segunda, você sabe, de 2025, saiu nesta sexta-feira, após a Câmara aprovar o projeto de IR, uma vitória do governo do petista.
Até mais ou menos uma década atrás, as capas semanais da Veja eram capazes de abalar a República, em variados níveis, a depender do assunto, dos personagens e da robustez da reportagem em questão. O aviso de “exclusivo” já assustava o mundo da política. Ao chegar às bancas nas manhãs de sábado, os estragos eram imediatos – e começavam a infernizar a rotina de figurões em pleno fim de semana. Na segunda-feira, ministro já estava demitido, um governador afastado, ou um empresário havia sido preso.
Eram os tempos de Eurípedes Alcântara e Mário Sabino, diretor de redação e redator-chefe. Com eles, um time de editores selecionados entre os melhores do ramo, sem nenhuma dúvida. De quebra, Diogo Mainardi, J.R. Guzzo, Reinaldo Azevedo, Augusto Nunes e Roberto Pompeu de Toledo formavam um timaço de colunistas.
Lula apanhou da Veja desde os primórdios de sua trajetória na vida pública, quando ainda era uma liderança sindical, sem mandato político. Com o nascimento do PT, a artilharia se intensificou. Durante mais de três décadas, foram centenas de capas com o petista no alvo. Há estudos acadêmicos sobre essa relação nada amigável.
Você pode discordar, mas digamos que, por um certo período, a linha editorial do semanário jogava dentro das regras. Lula e o PT representavam valores e princípios opostos aos da revista. A publicação da Editora Abril defendia o liberalismo, o Estado mínimo e privatizações – o suprassumo da economia de mercado. O oposto do petismo.
O veículo pode combater o que acha errado, e defender o que acha certo. Mas não pode recorrer ao vale-tudo para impor suas teses. A partir de 2003, quando o petista assumiu o Planalto pela primeira vez, a revista foi subindo de tom – e baixando de nível.
A cobertura sobre o governo Lula e o PT em geral ganhou uma hostilidade a qualquer custo. A Veja passou a tratar o “lulismo” como inimigo mortal – um inimigo a ser eliminado do jeito que fosse. Sim, ali na primeira década do século 21, era o ovo da serpente da tal cultura do ódio. Até que “o país dos petralhas” (alô, Reinaldo Azevedo) encontrou o “vamos fuzilar a petralhada”. Antes, ruas em fúria. E cai Dilma Rousseff.
O tempo correu. A família Civita quebrou. A Editora Abril foi vendida. Em 2018, o empresário Fábio Carvalho adquiriu o império em bancarrota, comandou um bem-sucedido processo de recuperação judicial (encerrado em 2022) e vai tocando a vida.
O grupo se livrou de dezenas de publicações e hoje mantém, além da semanal, títulos como Quatro Rodas e Superinteressante, entre outros. Para além da linha editorial, que nitidamente procura o eixo do equilíbrio, a qualidade técnica do jornalismo desabou. Perto do velho padrão, algumas derrapadas de hoje soam constrangedoras.
Mas não me parece que seja um caso irrecuperável. Há terreno para um fortalecimento. A ideia de uma revista semanal como a Veja, inspirada na Time americana, é boa coisa para a imprensa. O rigor na apuração dos fatos, análises originais e, sobretudo, qualidade textual bem acima da média formam um conjunto imbatível.
Não, a Veja não virou governista. Ainda bem. O contraste das duas capas acima é apenas uma ironia forjada pelo movimento imprevisível da História. Entre a medonha Jararaca e o Leão camarada, mudaram, em alguma medida, a imprensa e o Brasil. Por aí.