Um dia qualquer no fim da década de 1990 na TV Gazeta de Alagoas. O telejornal noturno havia terminado quando chega uma informação inesperada: um apagão no município de Porto Calvo impediu que a população assistisse ao noticiário. O problema não atingira nenhum outro município da região, apenas Porto Calvo. Poderia ser um acidente normal, algo que acontece de vez em quando em qualquer lugar.
Mas aquilo tinha tudo para ser algo muito mais grave. E era. Naquela noite, Alagoas seria destaque no Globo Repórter, o programa que começaria logo após a “novela das nove”. E o motivo para Alagoas ser o tema do programa não era nada saudável, pelo contrário. Porto Calvo era o palco de um caso de exploração sexual de menores. Os suspeitos? Gente graúda do meio político e de instituições do nosso estado.
Não era queda de energia, soubemos logo depois. Era uma sabotagem nos equipamentos e na antena da TV Gazeta no município. Os poderosos não queriam que a população local tomasse conhecimento do escândalo. No ALTV, havíamos noticiado que o Globo Repórter de logo mais traria todos os detalhes de uma história sórdida cujas vítimas eram meninas. Caso de repercussão nacional. Eu era o diretor de Jornalismo.
Duas decisões foram tomadas de imediato: mandar uma equipe ao município e avisar à Globo. Teríamos que produzir uma reportagem para exibir no Jornal da Globo, que estaria no ar por volta de 23h30. Mas passava das 19h – e Porto Calvo fica a mais de 100 km de Maceió, trajeto feito em mais de uma hora de viagem. Uma viagem à noite.
A produção do JG queria a garantia de que daria tempo de exibir o material. Além do tempo de viagem de ida e volta, a equipe teria que fazer tudo voando quando chegasse à cidade: fazer imagens, gravar entrevistas e a “passagem” do repórter. E, na volta, é claro, a reportagem teria de ser editada. Dissemos à Globo que teríamos o material.
Tinha tudo para ser um desastre completo. O Repórter Helder Bayma e o repórter cinematográfico André Feijó pegaram a estrada em busca daquela verdadeira missão (quase) impossível. As próximas horas ficariam entre as mais tensas que já vivi em décadas na profissão. Ao meu lado na redação, o produtor André César foi essencial.
Quando o Globo Repórter já estava no ar, lá pelas 23h, talvez, a jornalista Mônica Waldvogel, então âncora do JG, apareceu numa chamada – e tudo ficou ainda mais tenso. Ela disse mais ou menos isto: “Daqui a pouco no Jornal da Globo, você vai saber por que uma cidade de Alagoas não está conseguindo ver o Globo Repórter.
Àquela altura, a equipe estava ainda no meio do caminho de volta. Bayma e Feijó conseguiram ouvir pessoas e gravar imagens que provavam uma sabotagem no equipamento da emissora. Na redação, o telefone não parava de tocar.
Ligavam ao mesmo tempo: Jayme Fernandes, diretor de engenharia; Euclydes Mello, então presidente da OAM; e jornalistas da Globo, um produtor e um editor do telejornal. A turma do JG parecia desesperada. Afinal, a reportagem havia sido anunciada.
A equipe chega e vai direto para a ilha de edição. O JG já está no ar. Isso mesmo, o telejornal começou e a matéria ainda estava em edição, comigo e com Feijó, que além de cinegrafista, é editor de imagem. A matéria foi passando de um bloco para outro. Deveria abrir o telejornal, mas acabou fechando a edição, sendo a última notícia.
Alívio, comemoração nossa e do pessoal do JG, missão cumprida. Ao telefone, o editor (de quem não lembro o nome) quase chora ao agradecer. O episódio, posso garantir, é uma ilustração precisa do que é produzir, editar e botar no ar um telejornal. Quando a notícia em cima da hora não é força de expressão. É a alma do jornalismo na TV.
Essa história é uma breve página em incontáveis capítulos que compartilhei durante uma década ao lado de colegas com quem aprendi a fazer jornalismo. Em dez anos, fui editor de todos os telejornais da casa. Em seguida, tive a honra de coordenar o trabalho de uma grande equipe como chefe de redação e, como já disse, na direção de Jornalismo.
Neste sábado 27 de setembro, a TV Gazeta completou 50 anos de existência. Numa trapaça do destino, a data coincidiu com a decisão judicial que tira da emissora a programação da Globo. Isso não ofusca a gloriosa história da empresa – testemunha e protagonista de grandes acontecimentos que mudaram Alagoas e o Brasil.
Que a TV Gazeta se reinvente e siga adiante. Aos profissionais que passaram por lá, e aos que tocam o barco na quadra atual, meu respeito e minha admiração.