O discurso de Hugo Motta na defesa da PEC da bandidagem já entrou para a história como uma das manifestações mais cínicas da política brasileira. Depois de aprovada a delinquência embrulhada numa emenda à Constituição, o presidente da Câmara dos Deputados afirmou o seguinte: “Não é um projeto do governo ou da oposição, não é ideia de esquerda ou de direita. É o fortalecimento do papel de cada parlamentar”. Ah, bom!

Outro parlamentar disse mais ou menos isto: a PEC vai servir para que nenhum deputado ou senador veja a Polícia Federal chegar em sua casa nas primeiras horas da manhã. É uma confissão escancarada sobre o objetivo central da manobra: blindar bandidos.

Reparem na escandalosa inversão de valores na lógica desse argumento. Para evitar que a polícia bata à minha porta e visite seu endereço, o que podemos fazer? Seguir a lei e não cometer nenhum crime. Para os parlamentares, no entanto, a única maneira de escapar da PF é ter uma blindagem que lhes garanta impunidade eterna.

Voltando ao leniente e medíocre Hugo Motta, afirmar que a PEC “fortalece” a atividade parlamentar é tão cínico quanto falso. A cara de pau do deputado ao fazer essa defesa esdrúxula da medida mostra a dimensão do buraco em que o Legislativo se meteu.

Não há dúvidas sobre a PEC da bandidagem. Numa tacada só, pretende-se duas coisas. Primeiro, dar aos deputados licença para roubar à vontade, livres do alcance das leis. A outra meta é atacar o STF – o que é uma fixação na turma da extrema direita.

No campo dos esquemas de desvio de verbas públicas está o repasse das emendas parlamentares. Como se sabe, o ministro Flávio Dino tem autorizado investigações da PF sobre o vandalismo insaciável no orçamento da União. Se o Supremo ficar impedido de agir nesses casos, por causa da PEC, já era. As máfias vão dominar tudo.

Bancada alagoana. E nossos deputados? Dos 9, 6 votaram com a tese dos marginais (lamento, mas prezo pela clareza). Houve um ausente, ou seja, se escondeu na omissão cúmplice. E dois fizeram o certo: Paulão e Daniel Barbosa. À dupla, o reconhecimento por dizer não à sujeira que desmoraliza o parlamento brasileiro e agride o povão.