A recente polêmica envolvendo a progressão parcial nas escolas públicas estaduais de Alagoas, em especial no Colégio Militar Tiradentes, escancara como uma política educacional consolidada e prevista em lei pode ser sequestrada por agendas ideológicas superficiais, transformadas em combustível para engajamento digital e palanque político.

Prevista na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) nº 9.394/96, a progressão parcial garante que o estudante possa avançar para a série seguinte nas disciplinas em que obteve aproveitamento satisfatório, permanecendo em regime de recuperação nas matérias em que não alcançou os objetivos. Trata-se de um instrumento pedagógico que visa assegurar a permanência escolar, reduzir a evasão e combater a distorção idade-série, um dos problemas históricos da educação brasileira.

Pesquisas e organismos nacionais e internacionais são uníssonos em apontar que a reprovação sucessiva não melhora a aprendizagem. Ao contrário, aumenta as chances de abandono, amplia desigualdades sociais e reforça um ciclo de exclusão. Por isso, a progressão parcial vem sendo aplicada em praticamente todos os sistemas estaduais de ensino no Brasil, sempre acompanhada de mecanismos de reforço e planos de estudo específicos. Nenhum educador defende “aprovar por aprovar”. O que se defende é a aprendizagem efetiva, construída em paralelo à trajetória escolar, evitando rupturas que empurram o aluno para fora da sala de aula. A progressão parcial é, portanto, uma ponte pedagógica, e não um atalho.

Em Alagoas, setores da extrema-direita transformaram a progressão parcial em alvo político. Tomando o Colégio Militar Tiradentes como referência simbólica, exploraram o imaginário de disciplina e rigidez para contestar a decisão da Secretaria de Estado da Educação (Seduc). A medida, regulamentada pelo Conselho Estadual de Educação e prevista na Portaria nº 15.022/2021, determina a aplicação da progressão parcial em todas as escolas da rede estadual. Nesse movimento, pais e familiares foram instrumentalizados para sustentar uma indignação artificial, enquanto deputados estaduais, com apoio de vereadores da capital, promoveram audiências públicas e campanhas digitais não para debater a qualidade da política educacional, mas para produzir manchetes fáceis e acumular curtidas nas redes sociais.

Trata-se de uma contradição gritante. Os mesmos que, há poucos anos, defendiam projetos anacrônicos de “escola sem partido” e pregavam que a educação deveria estar livre de ideologia, são hoje os que mais utilizam a escola como trincheira para o mais raso proselitismo político. O discurso de neutralidade foi substituído pela instrumentalização da pauta educacional como guerra cultural, em nome de agendas conservadoras.

O verdadeiro debate não é se deve ou não existir progressão parcial, a resposta já foi dada pelo legislador e pela experiência pedagógica: ela é necessária, legal e fundamentada. O que se deve discutir é como garantir sua implementação de forma eficaz, com planos de recuperação individualizados, reforço pedagógico real, acompanhamento contínuo e integração entre escola, alunos e famílias.

Transformar um direito consolidado em alvo de ataque ideológico significa condenar jovens a uma lógica punitiva e excludente que o Brasil já deveria ter superado. O que está em jogo, em última instância, é o compromisso com a função social da escola: assegurar o direito à educação, reduzir desigualdades e oferecer oportunidades reais de aprendizado e cidadania.