Muito se fala, todos os dias, sobre as eleições de 2026 em Alagoas, embora ainda falte mais de um ano para o pleito. O debate público parece antecipado artificialmente, empurrado por pesquisas encomendadas, especulações fabricadas e pela comunicação dos grandes grupos políticos que dominam o estado. A cada semana novos boatos circulam: que Renan Filho (MDB) será candidato, que Alfredo Gaspar (União Brasil) avalia a possibilidade, que Marcelo Victor (MDB) ou Paulo Dantas (MDB) podem emplacar outro nome pela Assembleia, que JHC (PL) romperá com os Calheiros e tentará o governo. É uma ciranda de versões, de acordo e desacordo, como se a política alagoana fosse apenas um jogo interno de elites.
O problema não é apenas a previsibilidade desse roteiro, repetido eleição após eleição, mas a falta de honestidade no debate. Grupos políticos e veículos de comunicação se limitam a reproduzir versões interessadas, cada um ao sabor de sua conveniência. Não há espaço para uma análise estrutural sobre o que realmente está em jogo: a reprodução das oligarquias, o controle dos fundos eleitorais, a manutenção de alianças pragmáticas que atravessam partidos e governos.
Enquanto isso, um fato objetivo e incômodo permanece no silêncio: mais uma vez a política alagoana insiste em apagar as mulheres do cenário eleitoral. Em 2022 não houve nenhuma candidatura feminina ao governo. Para 2026, tudo caminha para a mesma lógica de exclusão. É como se só existissem quatro ou cinco caciques, todos homens, todos orbitando os mesmos partidos, sobretudo o MDB.
E aqui está um dado histórico que deveria causar indignação: desde a criação da província em 1817 até os dias atuais, em 2025, Alagoas jamais foi governado por uma mulher. Nenhuma. Nem por eleição, nem por sucessão constitucional. São mais de duzentos anos de história sem que uma governadora tenha assumido o comando do estado. Isso não é apenas uma curiosidade estatística, mas um retrato cruel de como a política local se organizou para manter o poder concentrado em mãos masculinas e oligárquicas. E o problema não é exclusivo de Alagoas: em toda a história do país, apenas 12 estados e o Distrito Federal já tiveram uma mulher no governo, seja de forma temporária ou definitiva. Ou seja, menos da metade das unidades federativas brasileiras rompeu, ainda que pontualmente, com a barreira de gênero no comando do Executivo.
Há outro marco histórico que, usualmente, também é silenciado no debate público. Em 24 de fevereiro de 2025, completaram-se 93 anos da conquista do voto feminino no Brasil, assegurada pelo Decreto nº 21.076 de 1932. Nesse processo, destacou-se a alagoana Almerinda Farias Gama, mulher negra, advogada, jornalista, sindicalista e sufragista, que votou na escolha da bancada classista para a Assembleia Nacional Constituinte, responsável pela Constituição de 1934, que consolidou o direito político das mulheres. Sua trajetória simboliza coragem, pioneirismo e visibilidade para a luta feminina.
E é nessa mesma corrente de luta que se inscreve Lenilda Luna (UP), mulher negra, jornalista, sindicalista, mãe e nordestina. Sua presença política simboliza a continuidade e a resistência de um legado construído com coragem e determinação. Lenilda ecoa vozes que atravessam gerações, reafirmando a permanência de uma luta que persiste não apenas pela garantia do voto e da participação das mulheres, mas sobretudo pelo rompimento de um bloqueio que até hoje impede que uma alagoana governe o seu próprio estado.
Em 2020, Lenilda foi candidata à prefeitura de Maceió e ficou em oitavo lugar. Em 2022, disputou o cargo de deputada federal como parte da campanha presidencial da Unidade Popular, liderada por Leonardo Péricles (UP). Em 2024, voltou à disputa pela prefeitura de Maceió e terminou em terceiro lugar, sendo a única candidatura de esquerda naquele cenário e ainda foi a candidata mais votada da UP em todo o Brasil, feito inegável para um partido pequeno, sem aparatos tradicionais e tempo de televisão, impedida de participar dos debates. Mas, mesmo diante disso, ninguém a menciona nas rodas de especulação, nem mesmo como hipótese.
Lenilda Luna não representa apenas uma possível candidatura em 2026. Representa a possibilidade de romper com o consenso oligárquico que as forças tradicionais tentam impor. Seu campo político, a extrema-esquerda, pode não ter a mesma capilaridade eleitoral dos grandes grupos, mas tem autenticidade, militância, pautas sociais importantes e crescimento comprovado. O fenômeno recente em Maceió deveria ser levado a sério, mas é tratado como se não tivesse existido.
O que está em curso é um apagamento político deliberado. Uma tentativa de convencer o eleitorado de que 2026 será apenas um duelo entre os mesmos nomes de sempre, como se a história já estivesse escrita. Mas a democracia não pode ser reduzida a um jogo de cartas marcadas. O debate precisa abrir espaço para quem não está sentado à mesa das oligarquias, para quem representa de fato uma alternativa.
Em Alagoas, falar de 2026 sem falar de Lenilda Luna é perpetuar a invisibilidade feminina, é colaborar com a exclusão sistemática das mulheres da disputa majoritária e é ignorar o avanço eleitoral de um projeto político que, goste-se ou não, tem legitimidade popular.