Emenda parlamentar é a forma mais descarada de compra de votos. E é um crime consumado sem disfarce, no clarão do dia, em gravações com imagens de alta definição. O registro oficial do delito tem vista aérea captada por drone, trilha sonora, efeitos especiais e até discurso de agradecimento ao infrator. A cada semana, você tropeça em deputados e senadores entregando um “cheque” a mais um beneficiário desse esquema.
A calamidade teve início em 2020, o ano maldito da pandemia de Covid-19. Como diria Ricardo Salles, governo e parlamento aproveitaram a janela do caos e passaram a boiada. De lá para cá, foi ladeira abaixo. Ou melhor, ladeira acima: este ano, Câmara e Senado meteram a mão, cada uma das Casas, em 24,6 bilhões de reais.
O orçamento da União, portanto, repassou 50 bilhões de reais e uns quebrados para os 513 deputados e 81 senadores. É uma farra como nunca houve no Legislativo. A cada temporada, a galera torna mais confuso o emaranhado do qual saem esses valores. É emenda individual, de comissão, do relator, de bancada e até “emenda pix”. Virou piada.
Ainda esmiuçando os números, cada deputado leva este ano 37 milhões de reais para seus currais eleitorais. E cada senador embolsa nada menos que 68 milhões de reais. Nenhum parlamentar se responsabiliza pela aplicação dos recursos. Eles atuam como executores do orçamento, mas estão isentos de prestar contas sobre o rumo do dinheiro.
É o modelo ideal para o crime perfeito. Por isso, esta é a grande guerra movida pelo Congresso hoje em dia. E nessa ação mafiosa, deve-se ressaltar, não entram teorias sobre polarização e disputas ideológicas. Direita, esquerda, centro, azul e vermelho – todos levam sua parte no butim. Aqui, petismo e bolsonarismo estão do mesmo lado.
A situação é tão bizarra que haverá até uma audiência pública para debater o assunto. Foi convocada pelo ministro do STF Flávio Dino. Na próxima sexta-feira 27, governo, parlamento e autores de ações no Supremo vão defender seus pontos de vista. Haverá representantes municipais e estaduais do Executivo e do Legislativo.
O ideal seria a extinção desse mecanismo – que, na prática, é um duto para corrupção e compra de votos. O país não pode conviver com uma abjeção como se fosse criação da natureza. Mas, no atual contexto, as emendas são intocáveis. Seguiremos a aturar o festival de cheques voando dos cofres públicos para os cofres de variadas gangs.