“Foi passado na tela os considerandos de forma bastante rápida ali”. É Bolsonaro, no depoimento ao STF, em seu manejo particular da língua portuguesa. Vamos dar o desconto: na oralidade, há sempre o risco de um deslize no meio do fraseado. Não chega a ser um atentado doloso contra o idioma. Aqui também, o réu tem direito à presunção de inocência. Quanto ao atentado golpista, aí a parada é mais complexa.

Mas o que diabos são esses considerandos citados por quase todos os réus ouvidos pelo ministro Alexandre de Moraes nesta terça-feira 10 de junho? Como se nota, nas barras do tribunal, o gerúndio do verbo “considerar” virou substantivo. A recorrência do termo, porém, nada tem a ver com estilo de linguagem por parte dos denunciados.

O tenente-coronel Mauro Cid, o general Paulo Cesar Nogueira, o ex-ministro Anderson Torres, o almirante Almir Garnier, além do próprio Jair Messias, todos se esforçaram para negar a existência da chamada minuta do golpe. O documento, levado ao então presidente, listava ações pra anular o resultado da eleição e barrar a posse de Lula.

Como disse Mauro Cid, Bolsonaro “enxugou” o texto. Nenhum dos réus negou a existência da presepada criminosa. Para aliviar a gravidade da situação, o discurso foi o mesmo: tratava-se de uma série de “considerandos” para adoção de medidas diante do “clima de tensão” no país – sobretudo após os acampamentos na frente dos quartéis.

Então era mais ou menos assim: “Considerando isso, considerando aquilo, considerando assim e assado, o presidente da República decreta...” E ninguém soube explicar o que seria o complemento. O texto apresentado na tela de um computador, segundo os réus, estava com uma tarja justamente sobre as medidas decorrentes dos tais considerandos.

A ginástica retórica não anula os fatos. Pelo contrário, os relatos confirmam que a turma tentou armar um arcabouço “legal” para normalizar o que era inteiramente ilegal. Os acusados, incluindo Bolsonaro, confessam que se especulava a decretação de estado de sítio ou GLO (Garantia da Lei e da Ordem). Com isso, o presidente botaria pra quebrar.

O problema, para os golpistas, é que não se adotam medidas excepcionais porque o presidente de turno perde as eleições. Desse modo, o único “considerando” que incomodava Bolsonaro e seus aliados era a vitória de Lula. Portanto, tratar de um decreto para estado de exceção era tudo, menos uma iniciativa “dentro das quatro linhas”.

O depoimento de Bolsonaro foi uma confissão. Afora os momentos nos quais amansou o discurso diante do Xandão, o réu se enrolou várias vezes ao longo de suas respostas. Para completar, com aquele padrão dos covardes que abandonam os seus, chamou de “malucos” os manifestantes dos acampamentos e do 8 de janeiro. Que venha a sentença.