A advogada alagoana Bárbara Ribeiro convive há anos com pesadelos rotineiros e a dor das lembranças de ter sido abusada sexualmente pelo próprio pai, quando tinha por volta de dez anos de idade. O trauma foi, nas palavras dela, “varrido para debaixo do tapete”, até descobrir, no ano passado, que a irmã mais nova, de 28 anos, também foi vítima dos abusos e decidiu quebrar o silêncio.

O caso ficou conhecido depois que Bárbara postou, em suas redes sociais, um vídeo no qual fala sobre o fato de o pai, hoje com 74 anos, não poder mais ser processado e julgado, em razão do crime de estupro de vulnerável estar prescrito.

O desabafo, divulgado em abril deste ano, viralizou e foi citado pela deputada estadual Cibele Moura, durante sessão na Assembleia Legislativa, na qual a parlamentar defendeu a Proposta de Emenda Constitucional (PEC)  21/2025, protocolada em maio na Câmara dos Deputados, que torna imprescritíveis os crimes sexuais cometidos contra crianças menores de 12 anos.

“Eu não sabia sobre a minha irmã. Só tornei público o que aconteceu comigo quando descobri que ela passou, nas mãos dele, por coisas ainda piores do que eu. Depois dela, resolvi falar e, depois de mim, outras vítimas dele também resolveram falar. Dessa forma entendi que, por mais dolorosa que seja, a verdade liberta. É preciso falar, mesmo que o crime tenha prescrito, porque isso ajuda na cura. E dar visibilidade ao que aconteceu também me fez sentir mais protegida, além de servir de alerta para outras pessoas”, contou Bárbara em entrevista ao CadaMinuto.

Hoje, aos 32 anos, casada e mãe de um menino de três anos, a advogada relata que, desde que soube do que aconteceu à sua irmã, a convivência com o pai foi se tornando cada dia mais insustentável e tinha pânico de que ele se aproximasse do seu filho, mas ouviu que não precisava de “tudo isso”, pois com essa criança ele não mexeria e que ela estaria muito revoltada com a história da irmã, parecendo até que o pai tinha feito ‘mais coisa’ com ela.

Bárbara relata que houve pressão da família para que não tornasse a história pública, para que aquilo não saísse do ambiente interno familiar: “Mas é preciso falar. Eu esperei um estopim, mas não é preciso. Minha irmã, que se lembra dos abusos terem começado quando ela tinha apenas quatro anos de idade e se estendido até por volta dos 10 anos, disse que só entendeu o que aconteceu com ela depois de ver uma propaganda na TV, quando já era adolescente”.

A irmã de Bárbara, que até então frequentava a casa do pai e dos irmãos, se afastou de todos e chegou a mudar de cidade. Em outubro do ano passado, já adulta, resolveu responder – em um grupo da família – a pergunta que uma tia lhe fez, em privado, sobre as razões pelas quais ela vivia tão afastada dos parentes.

Foi aí que criou um grupo no WhatsApp no qual incluiu alguns familiares, entre eles o próprio pai, os irmãos e a madrasta, e compartilhou áudios relatando os abusos sofridos.

 

 

Violência dupla

Depois dos relatos, Bárbara decidiu acompanhar a irmã e ambas formalizaram a denúncia contra o pai junto à Delegacia Especial de Combate aos Crimes Contra Criança e Adolescente de Maceió, ao Ministério Público e, consequentemente, à Justiça, com o processo tramitando em segredo. A elas duas, se uniram vários depoentes, principalmente primas, que não só corroboraram com as denúncias, como algumas relataram episódios nos quais também foram vítimas do mesmo acusado.

Diante do conjunto de provas anexadas aos autos, entre áudios, prints de conversas no WhatsApp e testemunhos, o MP solicitou à Justiça a prisão preventiva do idoso, que é empresário e construtor, mas o crime de estupro de vulnerável estava prescrito. No entanto, ele ainda está sendo processado por outro crime, em segredo de justiça.

“Ele tentou subornar uma pessoa”, resumiu Bárbara, reforçando que houve pressão familiar para que a história não saísse do ambiente interno. “Nesses casos é comum a família desenvolver uma rede de proteção em torno do abusador, juntamente à vergonha social”, afirmou, contando que vários familiares se aproximaram perguntando se elas planejavam fazer alguma denúncia e sugerindo que “era melhor deixar para lá, afinal, já fazia muito tempo, ele agora está idoso e, se fosse preso, poderia terminar seus dias na cadeia”.

“Foram diversas ofensas contra nós duas, partindo de familiares, após a formalização da denúncia. Sofremos duplamente, com a violência sexual que deixa marcas para a vida inteira, e com os insultos e ameaças dos protetores do acusado”, completou a advogada.

Questionamentos dolorosos

“Qual o nível de profundidade que preciso ter para lidar com um pai pedófilo?”, questionou a irmã ao pai, em um dos diálogos que travaram após a criação do grupo no WhatsApp, no qual ele apelou para que ela fizesse “uma reflexão” sobre as denúncias e questionou as razões pelas quais ela “guardava tanto rancor”.

“Você sabe o que você fez comigo e com outras crianças da família. Você é um homem perverso. Seu histórico é de perversidade”, respondeu.

Do outro lado, o abusador sequer tentou negar as acusações ou se desculpar pelos crimes.

“Hoje, contamos com o auxílio da Justiça na proteção de nossas integridades físicas e de nossas famílias e, agora, com o enorme apoio social que temos recebido”, finalizou Bárbara Ribeiro.