A Universidade Federal de Alagoas (UFAL) já concedeu o título de Doutor Honoris Causa a nomes como o educador Paulo Freire (1991), o poeta Ledo Ivo (2005), o dramaturgo Ariano Suassuna (2010), o intelectual alagoano Dirceu Accioly Lindoso (2011) e o multi-instrumentista Hermeto Pascoal (2024). Agora, soma-se a essa galeria de notáveis uma mulher cuja trajetória se entrelaça com a história política recente do país: Heloísa Helena.
Nascida no chão seco e valente de Pão de Açúcar, Heloísa Helena não pediu licença para entrar na história. Rompeu muros, desafiou castas e enfrentou, com a coragem das mulheres que não se curvam, os mais altos círculos de poder da política brasileira.
Vice-prefeita de Maceió em 1992, eleita pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Heloísa foi deputada estadual a partir de 1995. Em 1996, protagonizou um momento histórico: chegou ao segundo turno na disputa pela prefeitura da capital alagoana, numa eleição inédita entre duas mulheres progressistas. Em 1997, teve atuação decisiva no processo que resultou no chamado “impeachment” do então governador de Alagoas. O episódio consagrou o 17 de julho como data simbólica das lutas históricas travadas pelos trabalhadores alagoanos. No ano seguinte, foi eleita senadora da República, destacando-se como uma das parlamentares mais combativas e coerentes do Congresso Nacional.
Foi coerente até o limite. Em 2003, enfrentou o próprio partido e o então presidente Lula ao votar contra a reforma da Previdência. Expulsa do PT, não recuou. Liderou a fundação do PSOL em 2005 e, no ano seguinte, disputou a Presidência da República. Conquistou mais de 6,5 milhões de votos, tornando-se a mulher mais votada da história, até então, em uma eleição presidencial.
Em 2008, foi eleita a vereadora mais votada da história de Maceió, com mais de 29 mil votos. Reeleita em 2012, novamente como a mais votada da capital. Disputou o Senado em 2010 e, novamente, em 2014. Em ambas, enfrentou estruturas de poder que se unificaram para barrar seu retorno. Ainda assim, teve votações expressivas.
Deixou o PSOL e, em 2015, participou da fundação da Rede Sustentabilidade, partido pelo qual concorreu à Câmara Federal em 2018 e à Câmara Municipal de Maceió em 2020. Após essa eleição, transferiu seu domicílio eleitoral para o Rio de Janeiro, onde voltou a disputar mandatos em 2022 e 2024. As urnas, neste novo cenário, não a reconduziram. Mas sua imagem permaneceu inabalável como símbolo de resistência, integridade e fidelidade a princípios.
No último dia 8 de maio de 2025, Heloísa Helena recebeu da UFAL o título de Doutora Honoris Causa. Um reconhecimento merecido e necessário a uma mulher que nunca se vendeu, nunca se curvou e nunca negociou sua consciência. De origem humilde, mulher nordestina, mãe solo, enfermeira, professora e avó amorosa, ergueu-se como uma das figuras mais combativas e coerentes da política brasileira contemporânea. Heloísa Helena não é apenas um nome na história política do Brasil. É farol. É memória viva. É a lembrança de que, mesmo em tempos de cinismo e oportunismo, ainda é possível caminhar com a cabeça erguida, as mãos limpas e o coração em chamas.
Heloísa Helena, atuante e engajada, segue firme, lúcida e altiva, pautando um país profundamente dividido e desafiando o rebaixamento ético que tantas vezes contamina o debate público. Onde muitos veem o lugar comum da política rasteira, ela insiste em erguer espaços qualificados de diálogo e construção coletiva. Tê-la percorrendo o Brasil, somando vozes e travando batalhas, é dar à sua biografia a melhor de todas as porta-vozes: ela mesma. Heloísa está presente nos dilemas do agora, nas urgências de um tempo que exige coragem, mas traz fincadas em si as raízes de uma história que começou no século passado, dois anos antes da instauração da ditadura militar. Sua trajetória é contínua, viva e inacabada. E é justamente por isso que biografá-la não é apenas registrar o que foi, mas reconhecer, no calor do presente, a potência de uma mulher que jamais deixou de lutar por um Brasil soberano, justo, igualitário, fraterno e socialista, como afirmou em seu pronunciamento no Senado Federal, em 13 de dezembro de 2006.
Heloísa Helena merece uma biografia. Ou melhor, o Brasil precisa de uma biografia sobre Heloísa Helena. Sua trajetória não é um capítulo encerrado ou um feito distante a ser celebrado com reverência silenciosa. É uma história que precisa ganhar páginas, voz e circulação. Uma biografia em forma de livro, algo palpável, que se possa pegar, ler, reler e levar consigo. Um instrumento acessível a todos e todas que queiram conhecer, aprender e se inspirar na vida dessa lutadora.
Que esse livro exista, não para substituí-la, mas para acompanhá-la. Que sirva de suporte, ferramenta e extensão de sua caminhada, para que ela mesma o leve a tiracolo pelo Brasil inteiro, mostrando em cada encontro, com firmeza e afeto, sua declaração de amor à humanidade em forma de luta política e entrega simbólica. E, sobretudo, um amor visceral por Alagoas, terra que a forjou e que, de certo modo, está diretamente atravessada por essa história. Que seja memória viva, formação política e estímulo à coragem.