E Ruth Manus escritora, advogada, doutora em Direito Internacional, escreve um texto bem assertivo e bonito, pós show, fenomenal, de Lady Gaga.
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'Meu melhor amigo é meu melhor amigo desde os 10 anos de idade. Temos 36. Eu já sabia que o Léo era gay mesmo antes de saber o que era ser gay. Sabia que ele era outra coisa- uma coisa que o fazia tão melhor para mim do que todos os outros meninos. Dele eu não precisava ter medo, com ele eu podia ser eu mesma. Tínhamos mais de 20 quando ele, bêbado, num táxi, me contou aos prantos que era gay. Eu já sabia, só estava esperando o tempo dele.
Em tempos em que muito homem hétero acha cool falar que é bi porque já deu selinhos em uns amigos, é preciso lembrar de quem sofreu uma infância inteira por ser quem é. Lembrar de quem nunca coube, de quem passou uma infância sendo tolhido, contendo seus gestos e seus amores. Lembrar de um gay afeminado que também pode calhar de ser gordo, de ser negro, de ter uma deficiência. Lembrar de outra geração na qual tudo isso era ainda mais sangrento, lembrar de quem não é cis, das mulheres lésbicas cruzando uma vida inteira de provação.
Em 2012 eu e Léo estávamos no show da Lady Gaga em São Paulo e choramos com Born This Way porque a gente sabia como era essa estrada e a dor de percorrê-la, capítulo a capítulo- os pais, o trabalho, as ruas à noite. Eu ia só ao lado- e se doía em mim, que dizer de quem vai na faixa do meio?
Nessas nossas trevas de extrema direita, choro com esse show. Todo direito conquistado é tênue, toda travessia insiste em não estar terminada. Quantas vidas ela brindou com suas letras? Quantas almas ela tocou dizendo que Deus não comete erros e que você nasceu assim mesmo- e que é isso é bom, é certo, é bonito?
Lembro do choro do Léo no táxi há 15 anos. Lembro do nosso abraço no show. Lembro das mensagens que trocamos hoje ao longo da noite, mesmo que em cidades diferentes. Quantos Léos tem por aí? Quantas amigas segurando as mãos dos seus Léos com olhos marejados dizendo- baby, you were born this way?
Esse marco histórico é simbólico. Ninguém vai voltar pro armário, ninguém vai se calar por causa de Trumps e Putins e Bolsonaros. A gente vai seguir cantando. Mais alto, mais alto, milhões de vozes- até que não seja mais preciso gritar pra justificar aquilo que se é.'
Fonte: @ruthmanus