Num tempo em que o saudosismo da ditadura embala os delírios de tanta gente, o Brasil ganha seu primeiro Oscar com um filme que trata daquele período nefasto. Centrado na família de Rubens Paiva, deputado que foi assassinado pelo regime militar, Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, levou a estatueta dourada na categoria de Melhor Filme Internacional. Não há como negar a relevância política dessa conquista.

Como escrevi no texto anterior, havia uma torcida contra, em alguns casos de um jeito meio envergonhado, justamente pelo tema da obra. Sim, esse é o bloco do bolsonarismo e da extrema direita que faz malabarismo mental para defender o indefensável. Para essa turma, bom era o governo baseado na força bruta e na prática de tortura.

“Filhotes da ditadura”, na definição de Leonel Brizola, defendem um revisionismo que distorce fatos e espalha mentiras sobre a vida brasileira. Aqui em Alagoas, políticos com e sem mandato espalham a falácia de que o golpe de 1964 foi uma reação ao perigo comunista. Essa delinquência é reproduzida pelos que se dizem patriotas.

Basta uma olhada nas redes sociais para se constatar o ódio que figuras da ultradireita demonstram pelo filme de Walter Salles. Nesse meio perturbador, o cinema ideal é aquele da produtora Brasil Paralelo, empresa especializada na revisão falsificada da história do país. Não por acaso, um dos títulos lançados exalta o golpe de 64.    

Imagino o quanto os pais de família “conservadores” estão revoltados com a vitória de Ainda Estou Aqui. A história que se conta destrói a versão açucarada da ditadura – versão que, ressalte-se, é disseminada por vereadores e deputados alagoanos. Terão de engolir esta realidade: o mundo vê no filme o terror imposto ao país por duas décadas.

Fernanda Torres não ganhou o prêmio de melhor atriz, mas isso não diminui em nada o feito de uma obra que já levou mais de 5 milhões de pessoas aos cinemas do Brasil. Com a premiação, esse número certamente ganha novo impulso. A curiosidade de quem ainda não viu fica maior – e aí vamos conferir a história dessa família.

O cinema brasileiro vive tempos de muita produção e reconhecimento internacional. Não precisamos de troféus como atestado de qualidade – seja de Hollywood ou de festivais badalados na Europa. A premiação é consequência. Mas, voltando ao princípio, o êxito de Ainda Estou Aqui tem um peso político inédito. Muita coisa para pensar.