No Rio de Janeiro, câmeras de segurança mostram um carro em alta velocidade com um homem pendurado do lado de fora. O motorista arrancou após receber voz de assalto – e levou junto o assaltante agarrado à porta esquerda do veículo. No dia seguinte, o motorista apareceu nas redes sociais e em entrevistas pela imprensa carioca. Rafael Queiroz contou tudo em detalhes e ganhou fama imediata. Tinha uma grande história.
Ele relatou aos jornalistas dos maiores veículos de comunicação do país que estava com a família quando começou o “pesadelo”. Um homem armado encostou do lado do motorista e pediu tudo, bolsa, celular, relógio. Uma cena clássica no trânsito das capitais brasileiras. “Ao lado da mulher e de uma filhinha”, como narrou a imprensa, Rafael deu uma arrancada para se livrar do meliante. Assim ele escapou da situação.
O vídeo, sim, “viralizou”. Uma imagem que parece saída diretamente de um desses filmes de ação, para quem “adora uma adrenalina”. Embora tenha relatado tudo pela internet e nas entrevistas aos profissionais da mídia carioca e nacional, Rafael não prestou queixa à polícia. Como o caso tem de ser investigado, o valente motorista foi intimado a depor. Nesta terça-feira, a reviravolta: Rafael Queiroz não dirigia o carro.
Ao se apresentar à delegacia, ele acabou confessando que não era o motorista do vídeo, não é o proprietário do carro, não existem uma mulher e uma filha em sua vida. Tudo ficção. Ele viu a repercussão do vídeo e resolveu tirar vantagem. Disse aos investigadores que mentiu para conseguir “engajamento” em suas redes sociais. Rafael vai responder pelo crime de denunciação caluniosa. Falta encontrar o real condutor do veículo.
E qual a reação da imprensa? Que escândalo, que loucura, diz Flávio Fachel no Bom Dia Rio, na Globo. Seus colegas medalhões e medalhinhas no jornalismo carioca dizem o mesmo. Mas a imprensa tem culpa no cartório. Pode passar batido, mas o caso é uma bomba no colo da imprensa. Tão escandalosa quanto a fake news do falso motorista é a postura dos jornalistas. Publicaram uma história fantasiosa sem checar uma vírgula.
É assim que se constata como os biscoitos são fabricados. Um maluco aparece diante das câmeras e microfones, inventa qualquer lorota mirabolante, e pronto. Vamos para as manchetes! Para piorar, os profissionais ainda querem posar de indignados com a desmoralização de algo que eles ajudaram a construir. O episódio humilha os veículos e expõe uma fragilidade mortal do nosso meio. Que sirva de lição. Mais uma.